Capítulo 1 - PARTE II

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MARCO MONTELEONE


PRESENTE DEZ ANOS DEPOIS

O submundo estava em colapso.

Traduzi mentalmente as informações que os comentaristas de um jornal qualquer tentavam explicar na TV antiga daquele Coffeetown. Sequer a encarava enquanto burburinhos em meu entorno indicavam que, dos poucos clientes sentados em diferentes mesas ali, nenhum parecia estar atento à tela, enquanto eu mantinha o olhar preso ao restaurante do outro lado da rua, aguardando meu alvo chegar, o infeliz que estava desviando dinheiro da Outfit.

E que talvez fosse o traidor que estava repassando informações nossas à Bratva.

A operação comandada pelos Marshals rendeu uma série de prisões por todo o leste e centro-oeste do país. Nunca antes uma única investigação desmembrou tantas organizações criminosas de uma vez, George. Estamos diante de um acontecimento histórico.

— Fontes afirmam que uma delas possuía ramificações profundas dentro do próprio Departamento de Justiça e que esse foi o motivo de o caso ter sido passado aos Marshals — outro comentarista tomou a palavra no instante em que o carro do Sartori que eu aguardava estacionou em frente ao restaurante, fazendo meu sangue esquentar e meu olhar desviar para o telefone sobre a mesa, em busca da mensagem com a ordem de papai.

Isso era tudo o que eu precisava para arrastar pessoalmente aquele infeliz até o inferno. Eu havia insistido em vir atrás dele, há dias estava atento aos seus movimentos e a cada palavra que saía da sua boca imunda. Só precisava de um sinal para fazer o desgraçado dar com a língua nos dentes e despejar toda a merda que havia feito.

A ironia da situação é vergonhosa — a comentarista voltou a falar, com um tom de escarninho. — Os delegados da USMS fizeram um trabalho melhor que o FBI em anos, ao apreender os criminosos e arrecadar provas, mas falharam miseravelmente em seu próprio trabalho, ao deixar a principal responsável pelo cartel criminoso fugir.

Minha cabeça ricocheteou de uma vez em direção à tela da TV.

Sim, Samantha — o tal George voltou a falar. — Após ser presa no leilão internacional de armamento contrabandeado e drogas, aparentemente orquestrado por ela mesma, a chefe do que passamos a chamar de "Organização" nas últimas semanas, até o momento conhecida como Christina Owel, fugiu após um ataque aos carros-fortes da Marshals durante o percurso até o tribunal, em Washington DC. O Departamento de Justiça já assumiu a...

Parei de ouvir quando perguntas começaram a saltar em meus pensamentos.

Virgínia havia fugido.

Eu nunca havia duvidado de que ela seria capaz de fazer isso, mas se sua prisão tinha piorado o inferno que não apenas a Outfit vivia naquele ano, sua fuga agravaria a situação de cada organização criminosa espalhada pelo leste e centro-oeste do país.

Virgínia tinha sido a primeira a cair, mas sua queda não seria a única.

Porra! — Ergui-me da cadeira e agarrei o telefone sobre a mesa antes de deixar o Coffeetown e seguir para o restaurante. A cabeça fervilhando enquanto minha mente voltava a ser dominada por pensamentos que envolviam aquela mulher. Eu havia conseguido enterrá-la no fundo do meu consciente, junto à merda que fiz questão de manter inacessível nos últimos anos, mas desde o anúncio da sua prisão há algumas semanas, volta e meia a imagem dela me atingia com força.

E aquilo me causava uma sensação desconfortável. Como uma coceira mental da qual eu não conseguia me livrar. Ela tinha me rechaçado de sua vida, eu decidi transformá-la no inferno pessoal da minha, e então a esqueci, para a infeliz voltar daquela maneira.

Nos Braços da Escuridão: Entre a vingança e a obsessãoWhere stories live. Discover now