Se calhar devia estar triste por me sentir só uma vez mais, mas nos últimos tempos tenho tido a certeza de que jamais estarei só.
Tenho um grupo de amigos espetacular e tenho, tenho uma espécie de nova amizade com Diana ainda que esta também se tenha aproximado de Ryan e, e tenho Eli que me envolve nos seus braços neste instante, na minha cama, cá em casa.
Reaproximamos-nos muito desde que o Ryan o magoou e pouco a pouco deixámo-nos enrolar nalgo muito pouco correto. Ele pediu-me mil desculpas no dia em que me beijou pela primeira vez, eu sabia que ainda era o Ryan quem lhe ocupava o coração, no entanto, também sabia que ele o queria esquecer e por isso, por isso deixei que acontecesse e hoje sou feliz por tê-lo feito, pois ele voltou a sorrir, em grande parte, graças à nossa relação, como afirma tantas vezes, como me agradece tantas vezes. Até parece mentira, o Eliot a agradecer-me.
Estou feliz como não me lembro de ter estado alguma vez, estou mesmo!
Mas...
Há coisa de uma semana o pai do Marcus, agente da Eve, contactou-a, a ela e a mim, haviam surgido papéis numa série e os produtores queriam-nos aos dois, mesmo que fosse um elenco maioritariamente inglês, afinal as gravações decorreriam no Reino Unido a partir do verão... Seria terminar o ano e partir três ou quatro dias depois, se fosse antes de tudo o que aconteceu aceitaria sem pensar duas vezes, uma chance de não ver Eli e Ryan como casal perfeito era tudo o que me fazia falta...! E agora? Agora estou tão bem aqui que a oportunidade me parece muito menos tentadora. Amo-o, amo cada detalhe da pessoa que me estendeu a mão e foi casa desde o primeiro dia, adoro todos os meus amigos, nunca tive nada assim e não quero ir quando por fim estou feliz. Não sei, não sei mesmo... ainda que após o verão sigam caminhos muito distantes do meu, uma coisa é a universidade, outra é atravessar um oceano.
Ele adormeceu e tive pena de o acordar, levantei-me com cuidado procurando o telemóvel para ver as horas, eram quase sete da tarde. Resolvi descer as escadas na esperança de ainda apanhar a cozinheira antes de ser impossível pedir-lhe que fizesse jantar a contar com o Eli e de passar no escritório onde o avô ainda devia estar, envolto nos seus manuscritos. Assim fiz, é claro que não houve qualquer problema, era uma quarta-feira igual a tantos outros dias em que ficávamos em casa um do outro até ser tardíssimo, isto quando não acabávamos a dormir juntos, a ir para as aulas com roupa um do outro e por aí vai.
Adoro quando isso acontece, o cheiro das suas camisolas que ocasionalmente roubo para dormir(ou ir para a escola, em dias que me sinto com coragem suficiente para tal) é tão característico seu, é um abraço de tal forma reconfortante que me aquece de dentro para fora, em vez do inverso.
Quando voltei ao andar de cima já o Sol se punha e a figura que há pouco deixei dormindo na minha cama estava agora sentada na ponta da mesma, de olhos postos nas múltiplas cores de que o céu se pintava lá fora, através dos janelas e da porta de vidro que dá para a varanda.
- Vê-se melhor lá de fora, Bela Adormecida. - murmurei em tom trocista, indo sentar-me ao seu lado, pousei a mão na sua, apertei-a, fiz-lhe festinhas com o polegar.
E parecia tão sério, distante, perdido algures, demorou um bocadinho mais que o esperado a voltar-se para mim de sorriso nos lábios.
- Tens razão, anda! - exclamou, levantou-se, os nossos dedos entrelaçados e foi assim que atravessámos a porta.
Ficámos parados, lado a lado até me encostar ao rebordo de acrílico e o ouvir tirar uma foto, sorri p'ra mim próprio, sentindo as faces a aquecerem e virei-me para o olhar, ainda a sorrir, tirou outra foto e ri, envergonhado, a sua gargalhada soou pouco depois, divertido com a situação.
Perguntou-me se podia por a primeira foto nos stories do Instagram e senti o coração acelerar. Respondi-lhe com um "sim" meio tremido e senti os olhos marejados quando vi no ecrã do meu a fotografia em que apareço de costas para si, com o encantador pôr do Sol californiano à minha frente, tinha um coração preto e nada mais, não se via que me identificava. Suspirei libertando o ar que nem me apercebera que estava a prender e ergui a cabeça para mergulhar nos seus olhos.
Ia abraçá-lo, porém fê-lo antes de mim, abraçou-me com força e pousou a cabeça no meu ombro, senti depois a ponta do seu nariz frio roçar-me o pescoço, arrepiei-me dos pés à cabeça e foi como se me faltasse o ar com o singelo beijito que lá depositou.
- És incrível, sim? Nunca te esqueças. - sussurrou-me ao ouvido.
Um mero "hmm hmm" foi o que lhe respondi enquanto tentava controlar o meu lado emotivo à força toda. Limitei-me a abraçá-lo com mais força antes de levar uma mão ao seu rosto e nos afastar apenas o suficiente para que os meus lábios fossem ao encontro dos seus.
Queria que aquilo não acabasse nunca.
Se notei aquilo há pouco? É claro. É também claro que associei de imediato ao Ryan e ao passado deles, é claro que a minha cabecita paranóica associa tudo à possibilidade de o perder a qualquer momento, mesmo que pudesse estar pensativo por cem mil outros assuntos, não consigo não achar que ainda está lá, ainda queria estar com ele, por muito magoado que esteja.
Talvez tenha razão, afinal é natural, afinal sei que Eli ainda não o esqueceu, não é novidade nenhuma, só preferia que não doesse tanto, que não visse isso tão de perto...!
Às vezes paro e penso e dói-me tudo, o modo como tem poder sobre mim, como é a minha maior alegria e em simultâneo a pessoa que me pode tirar o chão de um momento para o outro. Eu sei, eu sei que não me devia ter entregado assim, muito menos a alguém que ainda não está disponível a 100% mas acho que já não ia a tempo, acho que ia continuar a amá-lo mesmo que o Ryan nunca o tivesse magoado, mesmo que eles continuassem juntos, mesmo que me destruísse, ia, ia continuar a amá-lo então vou tarde, tarde para me proteger do quanto vai doer caso um dia volte a estar sozinho nesta varanda, caso volte a estar sozinho na minha cama por mais de dois dias, caso me sinta desamparado como antes, porque ele é casa, porque ele é o meu lugar seguro só que... até quando...?
- Obrigado por tudo. - acrescentou assim que encostámos as testas um ao outro, ofegantes - Sou tão agradecido por ti, Tristan.
E foi como se fosse tudo embora, todos os receios, limitei-me a sorrir e a trazê-lo de volta para dentro, a beijá-lo deitado na cama sem parar por largos, largos minutos.
Ficámos por ali, entre carinhos e vídeos que vimos na televisão até nos chamarem para o jantar. Quando o mesmo chegou ao fim viu-se obrigado a ir para casa devido aos trabalhos para terminar, despedimo-nos com um beijo rápido cá dentro e obriguei-o a avisar-me que estava em casa, acabámos por ir em chamada até que chegasse.
Deitado no meu quarto silencioso e à meia luz, sorria aparvalhado, fora um entardecer bonito como tantos que temos vivido, amanhã de alguma forma seria outro dia bonito e ia ignorar as decisões difíceis por mais um tempo, ia ignorar tudo quanto era mais difícil por mais um tempo e aproveitar esta bolha bonita que nos separa do caos habitual.
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Not Only Memories
Romance"É desta que aprendes de uma vez que ninguém tem o direito de decidir quem tu és?" "Ele fica melhor sem mim de qualquer forma, não é importante." "Ele está a esquecê-lo, sei que está a tentar..." "Já segui em frente, limitei-me a fazer o mesmo de an...
~~Capítulo 1~~
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