A mesma coisa que aconteceu há seis anos. Mas dessa vez eu seria inocente, não deixaria eu me ferrar para protegê-los. Jamais faria isso por alguém, não outra vez.

— Fui eu. — Bugsy disse jogando a cabeça para trás e logo após estalando o pescoço.

— Por que?

— Porque odiei ver aquele cara te tocando. — O arrepio correu por todo o meu corpo. Ninguém em toda a minha vida fazia o que ele me fazia sentir. — O que devo fazer com você, Bunny?

— Bunny... —Sussurrei entre risos. — Não me chame mais assim. Nem sequer ouse dizer meu nome, nem meu sobrenome. Não quero que me chame ou que se importe com a droga daquela noite. — Gritei entredentes. — E não me mande mais mensagens, entendeu? Eu realmente vou até a polícia dessa vez.

Me virei subindo as escadas quase sentindo meus ossos estalarem com a força da minha pisada. Eu estava irritada, furiosa e olhá-los só me deixaria ainda pior. Ao abrir a porta do meu apartamento, me escorei na porta indo até o chão. Senti o gelado da madeira já que os aquecedores foram desligados com a queda de energia.

Meus pulmões doíam à medida que eu puxava o ar e minhas mãos tremiam. Não de medo, nem de rancor... Mas pela adrenalina que eles me proporcionam só de aparecerem na minha frente. Uma única noite de diversão, onde me senti intocável, a atenção deles voltadas apenas para mim. Eu me senti nas nuvens, me senti viva e finalmente havia entendido porque o balé era importante, porque eu queria aquilo. Mas olha pra mim agora...

Sentada no chão de um apartamento velho, com a cabeça entre as pernas segurando o choro, a sapatilha velha jogada dentro do armário como se não fosse nada. Decepções colecionadas ao longo dos anos. Tudo se tornou uma mistura de nada, nem um pingo de adrenalina era capaz de me fazer voltar a viver. Eu apenas aguardo o próximo dia, desejando que ele não seja pior que o anterior.

...

O barulho do despertador me acordou e junto a dor de cabeça se alastrou pela minha testa. Era isso que me faltava para começar um dia incrível. Me arrastei pela cama puxando o celular e desligando percebendo mensagens da Hailey e Tyler, mas nenhuma dele. Por algum motivo algo em meu coração se apertou, por um breve segundo. Mas tratei de me levantar indo para o banheiro e me olhando no espelho. Minha cara não era uma das melhores, mas era o que tinha para hoje.

Ao sair de casa o frio logo invade cada canto da minha pele me trazendo arrepios. Adentrei o beco que me levaria o mais rápido possível até o metrô, já estava um pouco atrasada e precisava me apressar. Mas ao entrar no beco a sensação de ser observada me dominou fazendo meus pés ficarem travados e eu olhar para trás. Me deparei com um homem escorado na parede fumando um cigarro, em seu braço um capacete preto e ao ter seus olhos azuis cravados em minha pele, eu apenas soltei uma risada bufada incrédula por um deles já estar aqui a essa hora.

— Agora perseguem alguém à luz do dia? — Falei mais alto assim que voltei a andar me lembrando de toda aquela maldita noite.

— Não seja mal humorada, Calina. Eu realmente gosto de você, mas essa sua nova personalidade me irrita. — Rapidamente percebi que ele já estava ao meu lado. Malditas pernas longas que alcançam alguém em menos de segundos.

— Adorei o novo corte de cabelo. — Balancei as mãos em direção ao seu cabelo raspado nas laterais e a parte de cima presa em um coque. E ele sorriu soprando a fumaça pelas narinas.

— Não foi muito minha opção... — Levantei o olhar para ele que se distanciou.

— Nossa, Bugsy tem feito isso com vocês? Podem acionar as leis trabalhistas. — E então ele sorriu mais uma vez e em um passo longo se colocou ao meu lado passando o braço ao redor do meu pescoço.

Seus lábios avermelhados ainda se destacavam com a sua pele extremamente clara. Poderia dizer até mesmo que ele estava ainda mais pálido. Seu cabelo preto intensificava seus olhos azuis como cristais.

— Aí está a antiga Calina com senso de humor. Essa é a nossa Bunny. — Seus dedos vieram até o meu nariz balançando. —Para onde está indo?

— Onde mais eu estaria indo? — E então ele fez uma volta começando a me puxar para o lado oposto. — Ei, eu tenho que ir para lá!

— Vou te dar uma carona. — Ele tirou o capacete do braço e me estendeu.

Olhei para sua mão e logo em seguida o capacete. A tentação invadiu meu corpo fazendo todos os meus pelos se arrepiarem. Minha boca saltou e eu umedeci meus lábios excitada pela tentativa de sentir pela primeira vez em anos aquela maldita sensação. Quando percebi meus dedos já estavam estendidos agarrando o capacete e o sorriso enorme nos lábios do Hunter. Balancei a cabeça levantando meu olhar sentindo a sensação do vazio me inundar.

Eu não posso me deixar levar. Não posso me perder outra vez no desejo de me sentir eu mesma. Soltei o capacete dando um passo para trás e sorrindo levemente olhando a expressão de confusão no rosto dele.

— Eu vou de metrô, chego mais rápido. — Me apressei virando as costas e entrando no beco outra vez. — Hunter? — Me virei observando sua expressão se aliviar. — É muito bom poder te ver outra vez...

Confessei a mim mesma naquele momento. Eu estava magoada, me sentia presa naquela noite e por algum tempo senti raiva de cada um deles. Mas na verdade, eu apenas quis esconder toda a minha felicidade. Eles me fizeram sorrir como eu nunca havia sorrido, me trataram melhor que qualquer pessoa que me conhecesse a vida toda. Eles me tocaram, eu permiti que eles me alcançassem.

Eu não os odeio, jamais poderia odiá-los. Mas meu peito ainda carrega um sentimento confuso. Se naquele dia não tivéssemos nos conhecido, se eu não tivesse saído da festa, se eu não tivesse necessitado sentir toda a emoção e adrenalina. Eu ainda a teria. Teria minha vida antiga. Poderia continuar seguindo o que um dia já foi meu sonho. E continuaria vivendo na antiga gaiola.

— Por que eu sinto que você está tão diferente agora, Calina? — Observei seu rosto sereno, mas de alguma forma eu pude ver a dor em seus olhos. — Eu realmente sinto falta da nossa Bunny.

— Eu também... — Sussurrei ainda o meu olhar.

Puxei a luva que cobria minhas mãos e me virei soprando o ar vendo a fumaça branca se formar ao redor. Não deveria estar tão frio assim e com isso a chuva também estava caindo. Londres e o seu típico clima que arrasta todos para a extrema solidão e depressão. Mas por algum motivo, eu me sinto bem. Não sentir nada se tornou boa parte do meu alívio.

Agarrei meu celular do bolso olhando para o relógio e vendo que provavelmente chegaria atrasada hoje. E ao olhar a data percebi que também teria compromisso após o trabalho. O mês se passou voando, nem sequer parecia ter se passado tantos dias desde a última vez que fui vê-lá. Entrei nas conversas encaminhando uma mensagem para o secretário do meu pai, já que nem mesmo seu número pessoal eu poderia ter acesso.

Calina:
Irei vê-la hoje. Me avise o horário que ele vai estar lá para que eu possa evitá-lo.

TOQUE-ME SE FOR CAPAZWhere stories live. Discover now