Capítulo 23: Sujeito de Sorte - Belchior

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 – Eu não esperava que as coisas escalonassem dessa maneira tão rápido. Às vezes tenho dificuldade em acompanhar.

– Do que você se refere, exatamente? – Aziraphale se mexeu no sofá de sua casa, retirando lentamente sua cabeça do ombro de Crowley.

– Não estou falando de você. – Crowley riu, segurando a mão de Aziraphale. – Estou falando do delivery de flores. Eu não imaginava que tantas pessoas se interessariam, e agora cerca de 80% do meu apartamento está lotado de plantas, com tabelas e manuais por todos os lados... Não imaginava que demandaria tanto espaço.

– Bom, seu apartamento já era quase que inteiramente plantas, não é?

– Sim, e agora é o dobro. – Crowley suspirou. – Mas eu realmente não posso reclamar. Pela primeira vez em muitos anos eu consegui sentir novamente o que é estar vivo, de alguma maneira. É bom poder fazer algo que você gosta. Saber que você tem um impacto positivo na vida das pessoas, mesmo que seja um impacto mínimo.

Crowley realmente acreditava nas palavras que dissera. Aquela ainda era uma sensação diferente. Se sentir vivo. Depois de tantos anos vivendo no piloto automático, depois de tantos anos se sentindo como um globo de neve estático e esquecido na prateleira mais alta do Grande Esquema das Coisas, era assustador imaginar o que viria a seguir – agora que as rédeas de sua vida estavam em suas próprias mãos. Agora que ele queria estar presente em sua própria vida, tomar suas próprias decisões, percorrer os caminhos dos quais ele antes tinha medo demais para trilhar.

[Presentemente eu posso me considerar um sujeito de sorte; Porque apesar de muito moço, me sinto são e salvo e forte]

Os últimos meses tinham sido completamente diferentes dos demais meses que ele já tinha vivido até ali. As encomendas de plantas cresciam cada dia mais, o que fez com que Crowley voltasse a estudar botânica: não somente para conhecer novas plantas e significados para as situações cada vez mais inusitadas, mas também para aprimorar os cuidados com as plantas que ele já era familiarizado.

[E tenho comigo pensado: Deus é brasileiro e anda do meu lado, e assim já não posso sofrer no ano passado]

Aos poucos, ele conseguiu entender que o fato da floricultura não ter dado certo anos atrás não significava, de maneira nenhuma, que ele estava eternamente fadado ao fracasso. Olhando em retrospecto, era possível entender que nada tinha sido em vão, nem mesmo as noites mal dormidas e a tristeza irreparável quando pensava sobre a floricultura. Ele tinha amado a floricultura, e tinha a perdido. Mas, no fim, o amor permaneceu ali, inerte, esperando para retornar de uma maneira diferente.

– Eu queria te agradecer. – Crowley se virou. – Acredite se quiser, mas minha vida mudou bastante depois que você começou a ouvir música num volume mais aceitável.

– Sua vida teria mudado muito mais rápido se você não tivesse sido uma pessoa tão intragável e tivesse aceitado resolver as coisas com um diálogo comum, não é? – Aziraphale estreitou os olhos com um sorriso fraco nos lábios.

– Não, de maneira nenhuma. Todas as etapas foram de suma importância para o resultado final. Nós não estaríamos aqui neste momento – Crowley depositou um beijo na testa de Aziraphale. – se você não tivesse derrubado um vaso de espada de São Jorge na minha cabeça. Tudo tinha que acontecer da maneira que aconteceu. E que bom que aconteceu dessa maneira. Você sabe o que a espada de São Jorge simboliza?

– Proteção, não é?

– Também, mas além disso ela deixa boas energias fluírem pela casa. – Crowley sorriu, beijando o dorso da mão de Aziraphale. – Pode ter sido doloroso, mas aquela espada de São Jorge me trouxe energias muito boas desde então.

Aziraphale ainda tinha uma certa dificuldade em assimilar os últimos meses, mas não pelos mesmos motivos. Para ele, era difícil compreender que existia alguém que gostasse tanto de sua companhia como Crowley sempre fizera questão de enfatizar. Ele não duvidava do amor que Crowley sentia por ele, de maneira nenhuma, mas era uma sensação... estranha. Se desfazer da ideia de que era gostado pelas pessoas, mas nunca verdadeiramente amado. Sempre um colega, nunca uma pessoa querida.

Desde então ele havia começado a aceitar a ideia de que existiam pessoas que se importavam genuinamente com ele: Maggie e Nina apareciam para tomar café sempre que podiam, assim como ele mesmo dava seu melhor para visitar a loja de discos de Maggie e a cafeteria de Nina quase que diariamente (e a maioria das vezes não porque ele queria experimentar a nova receita de bolo que Nina estava aprimorando, tampouco porque gostaria de adquirir discos novos para sua coleção).

Ele havia criado também uma conexão extremamente agradável com Anathema, que era de longe a pessoa mais inteligente que ele já conhecera. Os dois passavam horas a fio conversando sobre os últimos livros que tinham lido, assim como a promessa de montarem um clube do livro na livraria quando ela estivesse por perto.

Já com Crowley, ele sentia como se pudesse compartilhar todos os pensamentos que cruzavam sua cabeça durante o dia, e sabia que Crowley se importaria profundamente com todos eles. Os dois compartilhavam a absoluta compreensão do qual Aziraphale ansiava durante sua existência inteira. Era engraçado pensar no quanto sua vida tinha mudado desde então. Como ele havia se tornado uma pessoa muito mais confortável consigo mesma. Como ele finalmente se sentia capaz de acreditar que existiam pessoas que o amavam.

[Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro. Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro]

– Você tinha dito que seu apartamento mal tem espaço pelas plantas, não é? – Aziraphale encostou no ombro de Crowley.

– Sim, tive que me desfazer do sofá para abrir espaço para mais flores.

– Por que você não se muda para cá? Assim seu apartamento poderia ser dedicado exclusivamente para as encomendas. Assim você economizaria burocracias e dores de cabeça.

– Meu anjo, você tem certeza disso? – Crowley enrubesceu – Não te atrapalharia?

– Você? De maneira nenhuma. – Aziraphale se inclinou, depositando um beijo nos lábios de seu parceiro. 

Good Omens - Entre Tapas e Beijos (Ineffable Husbands)Where stories live. Discover now