Capítulo 20

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Recordei que desde que papai morreu eu ainda não tinha pisado os pés na sede da empresa. Aquele lugar devia estar caótico e cheio de funcionários folgados tendo ideias próprias, horários flexíveis e liberdades incompatíveis com suas funções. Levantei o traseiro do sofá, coloquei uma roupa limpa e dirigi até o local.

Estacionei em uma vaga que dizia: presidente. Meu pai era realmente um narcisista da pior espécie. Entrei no recinto logo alguns me reconheceram e com bajulação eles me receberam. Uma das secretárias se certificou de avisar o administrador e em questão de minutos ele surgiu e me levou para a sala dele.

— Como tem passado? — Ele perguntou indo até o carrinho de bebidas. — Aceita uma bebida?

— Não, obrigado.

— Menor de idade né? Desculpe.

— Como as coisas estão por aqui?

— Estou cuidando de tudo como sempre cuidei para o seu pai.  — Ele se sentou tomando um gole da bebida. — Ele não vinha lidar com toda a burocracia que este lugar demanda, ele sempre confiava a mim essa missão.

— Percebi que tudo está em ordem. Confesso que esperava encontrar uma zona.

— Eu tinha muito apreço pelo seu pai e essa gente toda precisa trabalhar.

— Espero que aceite ter uma relação tão boa comigo quanto a que tinha com meu pai.

— Não tenho dúvidas.

— Eu darei assistência a você sempre que eu não estiver ocupado com as coisas da escola e qualquer problema pode falar comigo.

— Eu estou sendo como uma espécie de presidente sênior já que temos várias filiais no país. Vamos fazer uma reunião daqui uns meses, você deveria está presente para que eu possa apresentá-lo aos demais.

— Avise-me a data e estarei aqui.

— Não se preocupe. Adelina é ótima com datas, ela o avisará.

Levantei e nos despedimos, enquanto andava pelo largo corredor lembrava da fala dele: Adelina é ótima com datas. Minha mente repetiu a frase várias vezes, sem ter uma razão específica. Quando cheguei na recepção olhei envolta e me perguntei qual delas era a Adelina, a moça ótima com datas. Apostei todas as cartas na morena alta de peitos grandes, ela era gostosa e isso explica porque trabalhava lá. O papai jamais contrataria uma secretária feia, afinal de contas se fosse feia não serviria para a transa do final de expediente, isso quando ele ia trabalhar.

Entrei no carro fiquei segurando o volante pensando para onde ir. Resolvi dar uma passada no teatro para ver se estava aberto e se estava tendo ensaio. As portas estavam fechadas com um velho cadeado enferrujado trancando a corrente.

Novamente estava parado na mesma posição pensando para onde ir. Minha mente me fez lembrar de que quando eu era pequeno gostava de ir na mata, era um lugar calmo cheio de árvores enormes e muitos animais. Havia um rio que passava pelo meio da mata, decidi que iria para lá pensar um pouco sobre o que estava por vir. Encostei o carro onde o asfalto acabava e segui a trilha a pé. Chegando perto do rio notei uma sandália havaiana que outrora era branca jogada de lado. Alguém na certa veio banhar no rio e se assustou e acabou perdendo a sandália enquanto corria. Andei um pouco mais e foi quando concluí que eu estava errado quanto a minha teoria, havia um pé pra fora de uma moita de capim. Seria uma pessoa bêbada? Caminhei até a moita e afastei os matos para dar uma olhada.

Não passou pela minha cabeça encontrar um corpo. Isso era uma tremenda ironia. A pessoa que fez aquilo estava possesso de raiva, dava pra ver claramente a sequência de golpes de faca que foram deferidos contra aquela garota. Eu já tinha visto ela na escola, ela se chamava Ângela. Nesse caso o mais adequado seria que eu chamasse a polícia, no entanto eu já tinha ido dar um depoimento sobre um assassinato encontrar um corpo agora não pegaria bem. “Você convenientemente está novamente relacionado com mais um corpo, Sr. Silver.”, diria o delegado para mim.
Mas, a pergunta que não quer calar é: quem foi o autor deste espetáculo?. Dei meia volta refletindo sobre o que a Ângela fez para despertar a fúria brutal de alguém sem muito controle de si. Espere, deste ângulo parece que eu também não tenho controle de mim, mas no meu caso eu não tive escolha, todos eles estavam me estorvando. E se Ângela estivesse estorvando alguém também? Mais quem poderia ser?.

— Ah bobagem, Adam. Pare de ser idiota e pense no que é importante pra você. — Falei em voz alta enquanto caminhava.

Voltei para casa e quando entrei Emmy estava assistindo TV.

— Esse canal da TV por assinatura é muito bom.

— TV por assinatura? Eu não tenho isso.

— Você não tinha, melhor dizendo. Eu contratei para você.

— Com permissão de quem? Do meu pai morto?

— Achei que seria bom pra gente, agora podemos assistir filmes incríveis juntinhos.

— Você não pode chegar aqui e fazer o que bem entende, Emmy.

— Shh! — Ela colocou o indicador sobre os lábios. —Agora vai passar a melhor parte.

— Ninguém merece.

— Deixa de ser ranzinza e senta pra assistir.

— Tá.

O filme era “It: a coisa”. Eu particularmente gostava mais do livro, mas o filme não era ruim. O Stephen King é um autor genial, tenho todos os livros dele, porém o homem é uma máquina e já tem pré-venda de um novo livro chamado “Le Fléau”. Há dez dias ele lançou “Contos de Fada” e já vai virar filme, eu nem tive tempo de comprar ele ainda.

De repente ouvimos um barulho de vidro quebrando, levantamos apressados para verificar o que tinha acontecido. No chão da cozinha tinha uma pedra enrolada em um pedaço de papel em meio aos cacos de vidro. Peguei-a e li o bilhete.


Receptáculos: A primeira coleção Where stories live. Discover now