Capítulo 13

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Á noite passada foi péssima, quase não preguei os olhos. Meu pai ficou aos berros a madrugada inteira. Odeio não dormir, meu humor fica terrível, mas hoje era o dia da feira de livros e isso agregado ao fato de que verei Blenda faz com que eu não fique tão ranzinza.


Levantei e dei uma olhada no meu pai, ele estava deitado perto do vaso sanitário completamente imóvel. Logo, perguntei-me se a morte já o alcançara.


Agachei para verificar o pulso, ainda tinha vida, por enquanto. Para o café da manhã fiz torradas, passei pasta de amendoim em todas e tomei um suco de laranja que estava na geladeira há dois dias.

A feira estava prevista para às 8h da manhã, contudo o pessoal da cidade não tinha como ponto forte a pontualidade. Estacionei a caminhonete na porta da casa e coloquei todas as caixas com os livros na carroceria. Do outro lado da rua vi um garoto carregando duas caixas, ele era de estatura pequena e estava usando um boné azul, as caixas cobriam metade do rosto dele e as vezes o boné batia na lateral da caixa a cada passo que ele dava.

- Ei, garoto? - Chamei.

Ele parou de andar e olhou em minha direção, só assim pude ver o rosto daquele ser pequeno.

- Estou indo pra feira também, quer uma carona?

Ele acenou com a cabeça em concordância. Esperou uns segundos e atravessou a rua.

- Coloque suas caixas na carroceria, depois me espere, não vou demorar.

Deixei ele colocando as caixas e fui até o banheiro onde meu pai estava. Ele ainda não tinha acordado, estava pálido e suado. As horas estavam contadas, resolvi arrastá-lo até o quarto e o colocar na cama. Céus, como ele pesa. Depois de colocá-lo no quarto peguei o celular e liguei pra emergência, a essa altura não iriam conseguir fazer muita coisa por ele, mas o importante é que eles chegassem aqui. Na ligação fingi ser outra pessoa, que supostamente o tinha encontrado nessas condições perto de um bar e que trouxe ele para a casa, mas que o filho dele não estava em casa na hora.

A moça que atendeu informou que estava mandando uma ambulância naquele momento para nossa casa. Agora, eu só tinha que ir à feira acompanhado por uma criança inocente e aguardar uma ligação do hospital informando o ocorrido.

Fui até o quarto e peguei um boné preto, depois desci as escadas e fui até o garoto.

- E aí, amiguinho? Pronto pra irmos?


Ele concordou com a cabeça.

- Você não é muito de falar, não é?

- As vezes não.

- Entra no carro e aí você me conta o que tem lido.

- Tá.

Entramos na caminhonete e eu liguei o som, coloquei pra tocar algumas músicas que estavam na minha playlist no Spotify. O garoto pareceu não gostar, já que me olhou com um olhar que dizia: por favor desliga isso.

- Não gosta desse tipo de música? - Indaguei.

- Não.

- Qual estilo você gosta, então?

- Rock.

Só poderia ser esse estilo mesmo, pensei.

- O que tem lido ultimamente?


- Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban.

- É um dos meus preferidos. Não confie em ratos, garoto.

- Hã? - Expressou ele sem entender.

- Continue lendo e irá entender.

Paramos em um sinal e, por alguns minutos, éramos só nós dois parados em meio ao tédio daquela rua. De repente, encostou uma caminhonete azul ao lado da nossa. O sujeito que estava dentro, começou a acelerar como se estivesse preparado para uma corrida, entendi que estava me convidando pra um racha. A rua era reta e o asfalto estava novo, era perfeita para fazer isso, contudo eu estava com um garoto do meu lado que eu sequer sabia quem era. O cara da caminhonete azul começou a buzinar e acelerar, eu comecei a ficar com o sangue fervendo. Faltava 5 segundos para o sinal abrir e eu estava disposto a arriscar tudo.

- Coloca o cinto, garoto! - Berrei.

Quando o sinal abriu eu afundei o pé no acelerador, os pneus cantaram e o racha começou. A criança começou a gritar e se segurou na lateral da porta.


Ele quis fazer eu perder o controle da direção, mas eu era um bom motorista. A rua acabava na praça onde a feira de livros estava acontecendo, quando chegamos nesse ponto ele freou e estacionou, eu encostei logo atrás.

Desci do carro e quando o outro cara desceu da caminhonete azul, minha raiva foi ainda maior. O Bruno era o motorista, ele desceu e veio até mim esbanjando simpatia.

- Mijou nas calças, seu marica?

- É melhor você me deixar em paz.

- Ô... O neném tá nervosinho é?

- Fica quieto, Bruno. - Disse Blenda ao descer do carro. - Ao invés de tá perturbando deveria está tirando as caixas do carro.

- Tá, minha gostosa, fica tranquila.

- Belo carro. - Disse ela quando ficamos a sós.

- Obrigado.

- Trouxe muitas caixas?

- Algumas, tem algumas minhas e de um garoto que encontrei na rua.

- Adam Silver, o ser caridoso.

- Ah, por favor, não seja irônica.

- Longe de mim, admiro sua atitude.

- Ei moço, eu quero pegar as caixas. - Resmungou o garoto impaciente.

- O dever me chama.

- Deus já tem um lugar reservado pra você, Sr. Silver. - Disse ela dando risada.

Caminhei até a traseira da caminhonete, o garoto estava sentado no meio fio com uma das mãos na bochecha.

- Até que em fim parou de perder tempo.

- Não estava perdendo tempo.

- Estava. - Disse ele seguro do que estava afirmando. - Ela não quer você, seu bobo.

- Você não é de falar, mas quando resolve é pra acabar com o dia de alguém.

- Desculpe.

- Tudo bem, mas por que acha que ela não me quer?

- Olha pra você, até um cachorro escolheria o outro cara. - Você tem um carro legal, mas ele tem outras vantagens.

- Você tem quantos anos, garoto? - Indaguei com enorme indignação.

- 11 anos.

Ele pegou as caixas dele e saiu caminhando pelo gramado, eu fiquei parado olhando, incrédulo, enquanto ele se afastava. Como pode um garoto de 11 anos me dar conselhos sobre mulheres?

Minutos depois empilhei todas as minhas caixas na calçada e fui levando três por vez. Eram 9 caixas, cheias de livros bons, mas que também continha alguns eu gostaria de nunca ter lido.

Depois de deixar todas as caixas para efetuarem a conferência dos livros, fui até as outras barracas para escolher os novos. A primeira na qual parei foi a de Thriller, nela eu escolhi: Homem de Giz, A Paciente Silenciosa, Verity e Confie em Mim.

Enquanto aguardava a moça embalar meus novos livros, olhei para a direita e vi que Blenda e o seu companheiro estavam na barraca do terror. Minha próxima parada era nela. A moça me entregou os livros e eu me direcionei para a barraca onde eles estavam.

- Não é possível, -Disse Bruno para Blenda. - olha gata, quem veio procurar um meio de se borrar todo a noite.

- Agora chega! - Berrei.

Deferi um murro no rosto dele e em seguida tentei derrubá-lo no chão, ele era forte mas eu também não era um completo fracote, já ter levantado três corpos era uma prova disso, gente morta pesa. Como eu adoraria que este em específico estivesse morto. Eu desejei matar mais uma vez, eu já disse a mim mesmo que não farei isso novamente, mas eu já estou com o meu pai à beira da morte certa e há pessoas que testam a nossa paciência.

- Adam! - Gritou Blenda a plenos pulmões. Meu nome soava muito bem saindo da boca dela. - Para com isso agora!

Eu não quis ouvir o que ela dizia, eu não pararia por nada. Derrubei ele no chão e proferi diversos socos em seu rosto, minhas mãos estavam vermelhas de sangue novamente. Eu estava cego de raiva, eu não conseguia parar, tudo que eu queria era bater, bater, bater.


E eu bati, bati, bati.

De repente um guarda chegou até nós e conseguiu me tirar de cima dele.

- Você me paga Silver! - Disse Bruno ao limpar o sangue do nariz.

- Eu quero vocês longe um do outro agora mesmo. - Ordenou o guarda.

Blenda puxou Bruno e o levou para a caminhonete, minutos depois ela voltou e parou na minha frente com os braços cruzados enquanto batia o pé direito no chão.

Eu estava abaixado pegando os livros que caíram quando a briga começou. Levantei a vista quando percebi que alguém estava diante de mim.

- Oi... - Falei um pouco travado.

- Não venha com esse "oi" sereno, como se nada tivesse acontecido minutos atrás. - Ela abaixou e olhou-me dentro dos meus olhos e prosseguiu - Você não precisava fazer essa cena, por que bater nele daquela forma? Eu sei que ele provoca você, mas eu esperava mais maturidade da sua parte. Você não é como ele.

Ela se retirou e voltou para a caminhonete. Eu não tentei argumentar, chamá-la de volta, ou mesmo, ir atrás; apenas fiquei quieto. Depois de organizar todos os livros, levantei e fui até a minha caminhonete. Ao abrir a porta meu celular começou a tocar, era um número desconhecido.

- Alô?

- Adam Silver? - perguntou um homem.

- Sim.

- Estamos ligando para informar que seu pai foi levado para o Hospital Residente e seu estado não é dos melhores, seria bom você vir para cá.

- Estou a caminho.

Entrei no carro e dirigi até o hospital. Durante o percurso fui ensaiando expressões de preocupação e algumas de desespero e aflição. Eu tinha de ser bem convincente. Talvez, esta interpretação deva ser a mais importante entre todas que já fiz durante a vida inteira. Estacionei em frente o hospital, respirei fundo e desci do carro, caminhei com passos ligeiros até a recepção.

- Cadê meu pai? - Falei com tom de desespero.

- Nome? - Disse a recepcionista olhando por cima dos óculos, enquanto mascava um chiclete.

- Silver... Joseph Silver. - Comecei a fingir uma tremedeira.

- Ele está passando por alguns procedimentos agora, querem descobrir o que ele tem.

- Tá, e pra onde eu vou?

- Espera aí, onde quiser.

Coloquei as mãos na cabeça e comecei andar de um lado para o outro. Depois de um tempo sentei nas cadeiras, fiquei com os cotovelos flexionados sobre os joelhos e com a cabeça baixa.

De repente parou uma pessoa na minha frente. Era o médico trazendo consigo informações sobre o estado do meu pai.


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