Capítulo 4

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O sino tocou, era chegada a hora de ir embora. Eu precisava ser rápido se eu queria estar na casa da Blenda às quatro. Primeiro uma passada em casa para ver como estavam as coisas, e claro, almoçar também era uma prioridade. Com fome meu cérebro não funciona, uma ameba seria mais inteligente comparada a mim quando faminto.

Abri a porta, logo notei que meu pai já estava desperto, pois, no sofá restavam apenas as marcas fundas do seu corpo, o que simbolizava que ele tinha levantado a pouco tempo.
Fui até a cozinha. Lá estava ele mexendo em uma das panelas que estavam no fogão. Ele notou minha presença quando adentrei.

- Ah, você chegou, seu magricela barrigudo, a comida está quase pronta. - Comentou empolgado e continuou - Sei o tanto quanto detesta minha comida, mas não temos outra opção, a desgraçada da sua mãe é a culpada pela nossa má alimentação agora.

Ele riu desdenhosamente. Meus punhos serraram-se sobre o balcão, qualquer um que entrasse no recinto agora, veria através dos meus olhos o desejo ardente por sangue. Mas eu não poderia lidar com mais um corpo, por enquanto, um era o suficiente.

- A propósito, tentei entrar em seu quarto mais cedo, tem um cheiro podre vindo de lá - ele falava ainda mexendo a bendita panela - o que morreu lá?
Uma pessoa desprezível, pensei na hora, tão desprezível que mesmo morto me causa dor de cabeça.

- É, acho que morreu algum rato atrás do armário. - Respondi sem dar muita importância.

- Quero que tire esse bicho de lá, vai acabar infestando a casa com esse fedor.

- Mais tarde resolvo.

Depois de comer aquela comida horrível, entrei no quarto para pegar uma prancheta e pude comprovar por mim mesmo o comentário do meu pai, podre era o adjetivo mais básico para essa catinga. Céus, eu tenho que tirar esse troço daqui o quanto antes. O clima e o saco plástico provavelmente contribuíram para a aceleração da decomposição.

Sai rapidamente com a mochila nas costas, trancando a porta novamente, o velho não tentaria entrar de novo porque também iria sair, mas prevenir é melhor que remediar. Tirei a bicicleta da garagem e pedalei até o cemitério dos baixa renda da cidade. O lugar era murado, tinha um portão de grande enferrujado, havia uma grande árvore do lado direito do muro; encostei a bike nela e fui para o portão. Felizmente ele estava aberto, então entrei sem dificuldade. Avistei um homem próximo dos últimos túmulos, caminhei na direção onde ele estava e ao me aproximar o reconheci, ele era o vigia do outro cemitério. Isso era ótimo.

- Oi, Sr. Antônio. - Disse acenando.

- Ôh, ora vejam só se não é o pequeno Adam. - ele caminhou até mim e me abraçou.

Contato físico não me causa boas sensações, simplesmente fiquei parado como uma tora de madeira até ele me soltar. Eu precisava ser próximo dele, então me controlei para não empurrá-lo na cruz que carregava o nome de "Rosa Maria da Silva Gomes", acho que a dona dela não ficaria contente com um velho gordo caindo por cima do seu túmulo e quebrando sua cruz.

- O que trouxe você até aqui, filho? Aconteceu algo ou só veio visitar sua mãe? - indagou.

- Vim visitá-la, mas aproveitando a ocasião gostaria de falar com o senhor.
Mentiras por cima de mentiras, eu estou ficando bom nisso.

- Diga, meu jovem, tenho todo tempo do mundo - ele caminhou em direção a uma cadeira de praia que estava embaixo de uma árvore que ficava perto do túmulo da Rosa - os mortos não irão atrapalhar nossa conversa. - Ele brincou ao sentar-se.

- Estou fazendo um artigo da escola sobre profissões e a vida cotidiana de seus atuantes, e eu sei com certeza, que meus colegas irão falar das mais valorizadas como médicos e advogados. Eu quero escrever sobre pessoas como o senhor, Sr. Antônio, que trabalham em lugares como esse e não estão sobre holofotes, mas possuem histórias incríveis.

Receptáculos: A primeira coleção Where stories live. Discover now