Novos Horizontes

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        Todo o local cheirava a bebida barata. Um cheiro nauseante que, misturado ao do tabaco, testava a resistência de quem ia para aquele trecho da colônia Arc. A verdade é que nem tudo é utopia, e aquela área da colônia era residência de uma parcela mais pobre dos colonos. Vê-se aí a natureza do ser humano: mesmo com tantos avanços, ainda tratava seu semelhante como ser de outra espécie. Mas esse não é o tema dessa história, e sim o indivíduo de cabelo mullet preto e barba a fazer, usando um casaco vermelho velho e desgastado. Ele bebia um copo de aguardente enquanto assistia à holotêve, que anunciava a lei Etel Van Schafer para direitos aos clones. Aquilo fez o indivíduo sorrir levemente, sorriso esse seguido de uma talagada na bebida. 

       Nesse momento, outro homem entrou, esse usando uma roupa da Aliança de cor roxa escura. Ele se direcionou ao indivíduo de vermelho, pondo a mão em seu ombro.

        -Hiroshi, precisamos conversar.- Disse calmamente. Hiroshi virou-se, irritado, antes de levantar-se e se direcionar a o andar superior do bar, que era uma hospedaria.

         -Não quero conversa, Cash. Não agora- Disse Hiroshi quando Cash entrou no seu caminho, bloqueando a passagem para a escada.

          -Você tem que me ouvir agora. Faz dois meses desde que tudo aquilo aconteceu. Eu sei que você tá sofrendo, eu também tô, mas precisamos conversar.- Respondeu Cash, sério.

          -Olha, nós salvamos a colônia. Não devemos nada a ninguém. Por que eu não posso viver como eu quero?-

           -Porque você está se destruindo. Dois meses sem dormir direito, enchendo a cara todo dia, isso não é bom.- Cash pôs a mão sobre o ombro de Hiroshi, que prontamente a tirou com um tapa.

           -Não fale como se você se importasse. Tudo bem, vou te dar uma chance; fala, o que quer de mim?- Cash pareceu ofendido, mas ignorou e prosseguiu.

            -Os cientistas da Aliança descobriram uma coisa sobre o Warlord, algo inesperado. Parece que ao se ligar ao seus usuários, a ligação não pode ser interrompida, exceto em caso de morte. Ou seja, mesmo estando longe dele, você permanece ligado ao seu sistema, e ele não aceita que você seja substituído. Mesmo que o lugar da Etel...- Cash parou por um momento, suspirou, e continuou. -Mesmo que o lugar da Etel possa ser passado a alguém novo, você precisa voltar ou não vamos poder controlar o Warlord. Os cientistas não descobriram como driblar isso, então precisamos de você no time.-

              -E para quê? Para lutar na colonização bizarra de vocês, matando Gah'tors como se fosse um soldado? O que a Aliança fez por mim para merecer minha ajuda nisso?- Cash apontou para a televisão onde ainda estava sendo falado sobre a lei Etel Van Schafer, mas isso só fez Hiroshi dar um riso irônico. -Isso não é nada. Fizeram isso pelo fato de Etel ser uma Van Schafer e eu ter ajudado a proteger a colônia. Nós, clones, vamos continuar a ser tratados como burros de carga até entrar na cachola de vocês que somos gente. Incrível como séculos depois de toda a história de colonização das Américas, o ser humano continua o mesmo.-

                 -Colonização do quê?- Devido ao fato de a Terra não mais ser o lar da humanidade, trechos de sua história passaram a ser menos relevantes, o que gerou uma ignorância em parte da população.

                  -Nada, esquece. Só tô dizendo que não vou voltar, não ainda. Tenha um bom dia.- Hiroshi empurrou Cash e prosseguiu para o andar de cima.

                   -São dezoito horas...- comentou Cash, sem sequer olhar para Hiroshi, que apenas sussurrou um "que seja" antes de seguir para seu quarto. Cash se retirou frustrado, e seguiu para a base militar local. Mas, enquanto tudo isso acontecia em Arc, outras coisas ocorriam em outro território da Aliança, mais especificamente, em uma prisão no planeta anão Plutão.

                   A holotêve ainda mostrava sobre direitos dos clones relacionados à lei Van Schafer. Um homem acorrentado ria ao ver a imagem de Hiroshi, chamado herói, sendo mostrado com pompa no noticiário. Tinha cabelo escuro e longo, além de uma cicatriz que descia do seu olho esquerdo até o canto de sua boca. 

                   -Tá rindo do quê, FE6051?- Perguntou um guarda, pouco antes de golpear o prisioneiro no rosto com um bastão. 

                     -Estou rindo dessa mentira depravada.- Respondeu o prisioneiro, como se a dor não houvesse sido sentida. -A Aliança espera que todos acreditem que os clones agora serão tratados como gente, que terão direitos, mas essa lei tola não passa de uma tentativa...-

                  -Uma tentativa de quê?-

                  -De bajular uma figura morta. De "homenagear" um herói. Mentiras. Vivemos em um sistema corrupto. Mesmo singrando o espaço, mesmo colonizando planetas fora do sistema solar, continuamos segregando os pobres em favelas e os mandando para morte em minas em marte. Mesmo conseguindo clonar pessoas, as tratamos como animais e as pomos para trabalhar. E agora, eles anunciam uma lei, afirmando liberdade. Mentiras, apenas mentiras. Não, pior que isso; esperança.-

                 -Você é louco mesmo!- exclamou o guarda, dando outro golpe no prisioneiro. -Cale a sua boca de merda, e veja o que fala da Aliança!-

                 -Você sabe o que é esperança, guarda? É a pior mentira já inventada. Veja como estou acorrentado. Essas correntes perfuram minha carne... fixam-se aos meus ossos... me fazem sofrer de dor excruciante. E sabe por que? Para gerar esperança. Esperança de que, um dia, eu me libertarei, e a dor dessas correntes cesse em fim. Mas é apenas mais uma mentira, uma forma de torturar ainda mais minha alma. Isso nunca irá acontecer, e no fundo eu sei. Como no fundo todos esses clones devem saber que nunca serão livres.-

                 -Ah, e você deve saber como resolver tudo nisso, não é, seu pedaço de merda? Vamos, dê uma de suas ideias!-

                 -É bem simples, guarda.- O rosto dele, que esboçava um sorriso distorcido quando começou a frase, tornou-se séria e sombria antes de terminar. -A Aliança deve queimar.- O guarda o agrediu mais uma vez antes de sair da sua cela, chamando-o de louco. Algumas horas se passaram, e o sistema de segurança da prisão detectou um objeto estranho vindo em direção a ela, que logo se multiplicou. Não demorou para que aquilo se revelasse ser um ataque, em que várias naves passaram a destruir a instalação por completo, usando armas de quebra de escudo de última geração. A nave não era Gah'tor, e sim pilotada por humanos, que adentraram na prisão e, após certa procura, libertaram o prisioneiro FE6051. 

                -Senhor, perdão por nossa demora.- Disseram os soldados.

               -Vocês fizeram bem. E não me chamem assim. Chamem-me pelo meu nome: Bane. Agora vamos. Temos trabalho a fazer.- Todos se retiraram da base, sendo que muitos criminosos se juntaram às frotas. Os guardas, no entanto, foram todo desmembrados e esquartejados, uma mensagem para a Aliança. -Sabe o que vejo à nossa frente, homens?- Disse Bane, já em sua posição na nave principal, sentado na sala de comando no que parecia ser um trono. -Novos horizontes. Novos horizontes.-


Continua

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⏰ Last updated: Nov 15, 2023 ⏰

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Armored King WarlordWhere stories live. Discover now