Capítulo 6

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"Ela não faz ideia do efeito que causa."
Jogos Vorazes, página 101

Os primeiros raios de sol da manhã que conseguem atravessar a cortina me despertam, convidando-me para o grande dia que está por vir. É só então que lembro-me de que não estou em minha casa, no Distrito 12, mas sim em um trem indo para a Capital. A voz de Effie vem à minha mente: "hoje é um grande, grande dia! Não podemos nos atrasar". Sorrio com a lembrança.

Peeta ainda dorme. Com todo o cuidado e delicadeza do mundo, levanto-me da cama e encontro a roupa que vestia na noite interior ainda no chão. Estava nas nuvens com Peeta e não queria me desgrudar dele nem mesmo por um segundo. Dirijo-me ao banheiro e tomo um longo e delicioso banho na banheira de nossa suíte.

Penso no casamento, em arrumar as crianças, no discurso que eu e Peeta faremos, nos convidados, dentre os quais Gale... Gale. Ainda preciso entender quais são meus sentimentos em relação à ele. Depois de nossa conversa após a morte de Prim, no dia da execução de Snow, nunca mais conversamos, além de cumprimentos e formalidades. Sendo assim, nunca refleti sobre qual categoria de relacionamento comigo ele se encontra. É claro que não sinto nada de romântico, isso já se foi há muito tempo. A verdade é que não sei se o perdoei por sua ideia da segunda bomba - a ideia que matou minha irmãzinha, ou a mágoa ainda existe.

Gale sempre foi um excelente parceiro de caça, desde o primeiro dia. Ele foi um também meu melhor amigo e arrisco a dizer que foi até um amante, porque por mais que nossa história não tenha sido longa, eu nutria sentimentos por ele. Permito-me por um momento pensar em como seria a minha vida se eu tivesse escolhido a ele e não a Peeta. Ainda estaríamos juntos e felizes? Seríamos o complemento um do outro? Nossos filhos seriam tão lindos e inteligentes como Willow e Rye são? A resposta para todas essas perguntas provavelmente seria não. Eu e Gale seríamos perigosos demais juntos, dois corações ardentes em chamas e raivosos. Somente Peeta, com sua alma pacífica e serena como o dente de leão na primavera é capaz de me completar, de apagar o meu fogo quando é preciso com suas palavras gentis e sua presença terna.

Gale protegeu minha família até o último momento. Em meus primeiros jogos, ocupou-se de levar comida a minha mãe irmã mesmo já tendo outras quatro bocas para alimentar. Se não fosse por ele, elas não teriam chegado ao Distrito 13, assim como ninguém do nosso distrito, e eu não teria conseguido nem ao menos me despedir de Prim. E sim, por mais que aquela bomba tenha sido uma sádica invenção dele, não se pode salvar ninguém em uma guerra, e tenho certeza que sua motivação não era matar minha irmã. Respiro fundo. Talvez seja o momento de perdoar Gale.

Quando saio do banho, tenho meus cabelos mais sedosos do que nunca. Visto um macacão simples e confortável. Quando Peeta acorda, nos dirigimos até o quarto das crianças e as despertamos, para que possamos prepará-las para o casamento. Enquanto ele se encarrega de nosso menininho, eu fico responsável por nossa muito vaidosa Willow. Ajudo-a a vestir-se, arrumo seus cabelos e finalizo com o laço rosa de Prim e permito que ela passe um pouco de rímel nos olhos, o que não agrada muito a Peeta mas a deixa extremamente feliz. É engraçado observar eu e Peeta juntos a nossos filhos. Com exceção dos olhos, Rye e Peeta parecem cópias um do outro, assim como eu e Willow.

Nosso delicioso momento em família é interrompido por uma batida na porta de nosso vagão. Abrimos a porta para encontrar um Haymitch elegante e feliz. Ele parece já estar pronto para a cerimônia.

— Katniss Everdeen, sua presença é requisitada no vagão da noiva.
— Katniss Mellark Everdeen — Peeta coça a garganta e o repreende, sério, mas logo cede e sorri. — Haymitch, olhe só para você! Pronto para casar?
— Como é que você conseguiu passar por isso? Eu sinto como se estivesse na iminência de desmaiar.
— Vem cá, vamos conversar — ele diz, passando um de seus braços pelos ombros de Haymitch e levando-o até o sofá.
— Vou ver o que a Effie precisa.

Ao chegar, sou surpreendida pela cena de ver a minha equipe de preparação rodeando Effie, que está deslumbrante.

— Oh, aqui está ela! Katniss! — ela corre para me abraçar, assim como Flavius, Venia e Octavia.
— Garota! o tempo só te melhorou, igual ao vinho — Flavius diz e eu rio com o comentário.

Minha boa e velha equipe de preparação, que apesar de suas fragilidades, sobreviveram aos infortúnios da guerra, e à tragédia de não poder mais manter o visual que tinham no passado, com todas as esquisitices que chamavam de última moda. Eles parecem mais reais agora, sem todas as modificações e acessórios exagerados e coloridos. Até a pele de Octavia voltou ao ser de um tom normal, um bege bronzeado que lhe cai muito bem, bem melhor que o verde pálido que ela usava quando nos conhecemos.

— Mas é claro que sempre podemos melhorar algo. Vem cá! — Venia exclama.

Eles começam a trabalhar em mim, depositando cores em meus olhos, delineando meus contornos, dando cores às minhas unhas, estilizando meus cabelos. Quando terminam comigo, me olho no espelho e devo dizer que estou muito bonita. Uma franja solta molda meu rosto, enquanto o resto de meus cabelos está repleto de cachos presos atrás de minha cabeça. A maquiagem é suave e as unhas impecáveis.

Ainda através do espelho, vejo Effie que se aproxima, agora vestida com seu vestido branco. Ela está magnífica. Nunca a vi tão linda como agora, aquela moda bizarra da Capital escondia toda a sua beleza. Seu rosto é delicado e aparenta ser mais jovem do que realmente é, seus cabelos são de um louro dourado e brilham quando ela se movimenta. O vestido dela tem um corpete delicado com um laço no centro, as mangas são grandes e têm fitas que envolvem os seus braços e a saia é bem grande e volumosa, toda em seda.

— Você está maravilhosa — digo, pegando em suas mãos.
— Ah Katniss, eu tenho tanto orgulho de você! — Ela me abraça. Seus olhos estão cheios de lágrimas — Se não fosse por você, nada disso teria acontecido. Eu ainda seria aquela fútil Effie Trinket que perambulava pelos distritos com um vestido ridículo de borboleta e fazia da condenação à morte de adolescentes inocentes um evento nacional. Você sempre será a minha menina, a minha garota em chamas.
— Effie... — sorrio, sentindo meus olhos enchendo-se de lágrimas. — Você sabe que faz parte da minha família, não sabe? Te quero muito bem. Para mim e para Peeta é uma honra termos sido escolhidos como seus padrinhos. Isso só estreita ainda mais nossos laços. E nossos filhos... eles te adoram.
— Obrigada, Katniss. Com Haymitch, com você e com Peeta sinto-me como se eu finalmente houvesse encontrado o vazio que sempre existiu dentro de mim. E como um reconhecimento, quero que fique com isso. Comprei junto com o medalhão de Peeta e o bracelete de Haymitch... te daria quando voltasse da arena, porque eu sabia que voltaria. Mas aconteceram tantas coisas que, quando nos encontramos, nem me lembrava mais. Encontrei-o há alguns dias, quando estava remexendo em algumas coisas antigas em casa — Ela me entrega uma caixinha branca do tamanho da minha mão. Quando abro, encontro uma correntinha com um pingente de flecha dourada. — Sei que para você essas coisas são superficiais, mas...
— Obrigada Effie, é lindo — digo, interrompendo-a e abraçando-a novamente. É realmente muito lindo. — Acho que agora eu já vou. Preciso trocar o vestido. Está pronta para o grande dia?
— Mais do que pronta!
— Nos vemos em breve, então.

No trajeto entre o vagão de Effie e o meu, sinto o trem parar. Chegamos na Capital. Entro em nosso vagão e vou diretamente para o quarto. Peeta não está. Visto-me rapidamente, em um vestido longo de cor laranja suave, exatamente como a cor que mais agrada a ele. O vestido é feito de um tecido fluído que cai suavemente ao redor do meu corpo, realçando minha silhueta com elegância. Ele possui um decote gracioso em V, o que adiciona um toque de sofisticação ao visual, e alças finas destacam meus ombros delicadamente. Permito-me uma rápida olhada no espelho. Devo confessar que estou muito bonita. Levo um pequeno susto quando vejo o reflexo de Peeta se materializar atrás de mim. Seus braços envolvem minha cintura. Ele está muito bonito e sexy em seu terno cinza, e um incrível aroma amadeirado exala de seu corpo.

— Querida... você está deslumbrante — percebo o brilho em seus olhos.
— E você está maravilhoso. E muito atraente.
— Você acha?
— Com toda certeza. Cinza te cai muito bem.
— Não tanto como o laranja do seu vestido — seu olhar é de admiração.
— Gostou? — digo, colocando as mãos na cintura. — Escolhi essa cor de propósito. Sabia que você iria gostar.
— Vem aqui — ele puxa-me para perto de si e beija-me com ternura.
— Peeta, vamos nos atrasar para a cerimônia! — digo rindo, no intervalo entre seus beijos.

𝑹𝒆𝒏𝒂𝒔𝒄𝒆𝒏𝒅𝒐 𝒅𝒂𝒔 𝑪𝒊𝒏𝒛𝒂𝒔Where stories live. Discover now