Capítulo 4

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"Coisas estranhas aconteceram aqui, não mais estranho seria se nos encontrássemos à meia-noite na árvore-forca."
A Esperança, página 137

Tomada pelo suor e ainda ofegante, aconchego-me em seu ombro e ele retribui envolvendo-me em seus braços. Nunca imaginei que isso seria possível, amar alguém mais a cada dia que passa. Agora consigo entender o que minha mãe sentiu quando meu pai se foi naquela explosão, aquela dimensão sombria de tristeza em que ela ficou. Apenas o pensamento de perder Peeta é capaz de me causar um terror indescritível.

— Eu te amo — digo. É até divertido perceber como dizer isso se tornou algo tão fácil, mas ao mesmo tempo tão significativo. Antes de entender meus sentimentos por Peeta, apenas demonstrar um pouco de afeto era algo que exigia tudo de mim.
— Eu também te amo, mais do que tudo — ele responde, acariciando meus cabelos.

Ficamos ali, conversando sobre aleatoriedades, desfrutando da presença calma e terna um do outro, até que chega o horário em que as crianças saem da escola. Peeta se oferece para buscá-las e eu, para preparar o jantar.

— Não apaga o fogo, não — ele sussurra em meu ouvido, enquanto nos vestimos.
— Eu sou a garota em chamas, lembra? Meu fogo nunca apaga — dou um beijo rápido em seu pescoço, provocando-o.
— Quero só ver. Volto já — ele me beija e sai.

Vou para a cozinha preparar a comida. Peru selvagem, que eu mesma cacei há poucos dias atrás. É claro que temos dinheiro para comprar no mercado, mas continuo gostando de caçar na floresta. A carne é sempre bem mais fresca e o ato é uma terapia para meus pesadelos e crises, que atualmente têm sido frequentes.

Assim que termino de colocar pratos e talheres à mesa, Peeta chega com as crianças. Elas correm para me cumprimentar, beijar e abraçar. Desfrutamos de uma agradável refeição em família e recebo muitos elogios pelo peru selvagem. Realmente, devo confessar que o sabor estava incrível. Quando terminamos, ajudo meus filhos com o banho enquanto Peeta limpa a cozinha. Em seguida, os faço vestir as roupas do casamento, para ver se está tudo em ordem em relação aos ajustes feitos pelo alfaiate. Rye ainda é muito pequenino para entender, mas parece gostar de como fica vestido com o pequeno terno. Ele se olha no espelho e então sai correndo do quarto,  à procura do pai. Já Willow, ah, ela é uma das pessoas mais vaidosas que eu já conheci. Ao colocar a blusa e a saia, seus olhos já começam a brilhar. Mas é quando ela se gira para olhar seu reflexo no espelho, que sinto como se todo o ar em meu pulmão tivesse escapado de uma só vez. A parte de trás da blusa está escapando da saia. Assim como no dia da Colheita, há uma vida atrás. Assim como minha doce e meiga irmã, que já não existe mais.

Por mais que as lágrimas ameacem de correr por meus olhos, contenho-me. Sinto como se o quarto girasse e eu estivesse prestes a desabar. Tenho a decência de sentar-me na cama, recuperando um pouco do ar.

— Olha como eu estou linda, mamãe!
— Você está parecendo uma princesa, mas é melhor guardar a cauda, patinho — digo, colocando a parte da blusa que estava saindo para dentro da saia. Já não estou mais em minha casa na Aldeia dos Vitoriosos, casada com Peeta e mãe de dois filhos. Estou de volta à minha humilde casa na Costura, e quem está à minha frente é Prim. Minha pequena e doce irmãzinha, que se preocupa mais com os outros do que com si própria. Tão bondosa que perdeu sua vida tentando salvar outras. Prim, mais uma que eu não consegui salvar.

— Meninas? — ouço a voz de Peeta irromper através da porta, seguida por batidas.
— Pode entrar — digo, tentando impedir que minha voz tremule. Ele tem Rye nos braços, e quando entra no quarto seus olhos vão direto para nossa filha.
— Como você está linda, querida. Não é mesmo, meu amor?
— Sim, uma princesa — meu tom de voz parece quase estável. Quase, pois acho que Peeta percebe meu estado de conflito já que a feição em seu rosto muda.
— Katniss, o que houve?
— Só lembrei de uma pessoa. Está tudo bem — faço uma nota mental para agradecer a Peeta mais tarde. Por sempre estar presente. Por sempre me resgatar.
— Tem certeza?
— Sim, eu estou bem — respiro fundo, em uma tentativa de afastar as lembranças. — Mas agora, querida, acho que lembrei de uma coisa que vai te dar um toque ainda mais especial de princesa.

𝑹𝒆𝒏𝒂𝒔𝒄𝒆𝒏𝒅𝒐 𝒅𝒂𝒔 𝑪𝒊𝒏𝒛𝒂𝒔Onde as histórias ganham vida. Descobre agora