Trinta e Oito: Hey! E a Qaj?!

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Ponto de vista de Rick.

Há muito tempo não tinha um momento próprio de descanso como tivera hoje em Giqoi... Sem preocupações, sem batalhas, sem riscos de vida, sem nada. Literalmente.
Despertei tranquilamente, levantei e fui até o banheiro. Fiz minhas necessidades, tomei um bom banho e fui até a cozinha do casebre. Não encontrei Kalra por ali, então saí ao seu encontro.
Adentrando a floresta não fazia ideia de qual direção seguir, então observei os arredores à procura de algum vestígio dela, e então ouvi um canto feminino distante e segui-o.
Sua voz era tão sutil e doce... Completamente diferente de qualquer outra que já conhecera até então... Inconfundivelmente linda.
Atravessando as árvores a aproximadamente duzentos metros de distância ao sul da cabana, cheguei a um ponto em que sua voz estava bem próxima, exatamente onde começava uma bela campina com pequenas flores vermelhas parecidas com cravinas, mas menores. À minha frente avistei um monte rochoso que estava coberto por nuvens carregadas que trovejavam e intimidavam qualquer sujeito... Aquele era exatamente o cenário que estava vendo em meus sonhos recentes... Vejo Kalra cantarolando e colhendo algumas flores, colocando-as em um dos bolsos de sua longa e roxa veste. Vi também seus pequenos gárgulas que a sobrevoam, alguns já olhando para mim de forma intimidadora e agressiva.
— Venha, Rick! Eles são ciumentos, mas não vão te fazer mal... — diz ela enquanto me aproximo aos poucos.
— Espero que não mesmo... — digo um tanto sem graça.
— Familiarizado com o campo? — ela indaga enquanto termina de apanhar sua última “cravina”.
— Me parece muito com o ambiente em que vejo tudo acontecer em meu sonho...
— Porque é o ambiente do seu sonho...
— Em breve você entenderá. Não se preocupe com isso agora... Venha conhecer meus bebês!
Não sabia o que pensar de tudo aquilo, mas sabia que estava depositando confiança demais em alguém que parecia ser uma encantadora bruxa.
— Essa aqui em meu ombro é a Hioyie, mas pode chama-la apenas de Hio. Ela representa a paixão que tenho pela vida no geral.
Enquanto ela falava, observei que todos tinham a pelagem na cor do chumbo, que era evidente de longe, mas quando me aproximei um pouco mais, pude notar que havia uma leve coloração avermelhada na raiz dos pelos, que era bem evidente nos traços finos que desenhavam seu rosto não tão atraente.
— Prazer, Hio — disse ao acenar rapidamente com a mão esquerda.
— O prazer é todo meu, Rick! — ela responde, para minha surpresa.
— Esses bichos falam?!
— Rick... — Kalra leva a mão ao rosto — eles são parte de mim... É claro que falam! E não são bichos! São Nawkis! — ela faz bico como uma criança pequena — São parte de mim... Na verdade, eles juntos são meu espírito fora do corpo, mas vivemos sempre juntinhos, não é mesmo crianças?!
— Me desculpe... Não quis...
— Tá, tá, tá... Eu sei... Não quis ofender... blá, blá, blá... Deixa eu terminar de apresentar meus bebês, depois você fala!
Fiquei sem reação, sem saber se ela estava debochando de mim, magoada ou indiferente. Nesse momento os outros que sobrevoavam o local pararam sobre um tronco de árvore largo e cheio de folhagem que o cobria.
— Vamos começar da direita para esquerda... Esse aqui é o Betdabogatke, mas pode o chamar de Betda. Ele representa o meu conhecimento... A sabedoria de um ser infinito. A cor que o distingue é o dourado. O próximo é o Ca, e pode chamar ele de Ca mesmo — ela deixa escapar uma risadinha —, e ele é a representação da minha divina fé ao Criador supremo, por isso sua cor é o distinto branco. — eles não paravam de se esbarrar e cochichar algo entre eles. — Essa outra é a Sao, e ela é a personificação do meu discernimento representada na cor âmbar... Bem ou ruim, é ela que me orienta nas minhas escolhas mais importantes! Portanto, é melhor fazer com que ela goste de você!
— Vou tomar nota disso aí... — comento pouco preocupado.
— Kobi! Pare já com isso! — diz Kalra em tom repreensivo.
— Por que sempre começa as apresentações pela Hio? — resmunga a criaturinha.
— Esse aí é o Ru-ÿwkobi, mas pode chamar ele só de Kobi, e esse briguentinho aí é o meu senso crítico e a minha justiça, representado pela cor fúcsia. Acho que deu pra notar como sou ‘injusta’, né? — rimos juntos por um breve momento. — Aquela última ali é a Axesubie, mas chame-a de Axe, ela detesta o nome...
— Quem em santa consciência mantém esse nome depois de séculos? É muito retrógrado... — comenta Axe.
— É... Ela é meu senso de desenvolvimento, representada pela cor ciana... Se dependesse dela, toda essa natureza já seria metal e fios de energia... Mas a maioria prefere a natureza mesmo... E essas são minhas criancinhas!
— Hey! E a Qaj?! — diz Kobi com certo estresse na voz.
— Poxa! É mesmo... Cadê a Qaj?! — Kalra questiona intrigada.
Hio vai até uma das extremidades do tronco.
— Ela está aqui! — ela avisa ao puxar Qaj, toda sonolenta de dentro do tronco.
— Ai, me deixa dormir, Hio! — resmunga Qaj.
— Agora sim, a última, Qajibie, o retrato das minhas gerações... Todas elas... Representada pela cor terracota — Kalra retorce o canto da boca.
— Você era assim? — indago desapontado.
— Claro que não, Rick! Foi uma piadinha! Eu não tenho ‘geração’ alguma! Nunca procriei! A Qaj é um serzinho único... E mimado...
— Nhá... — resmunga Qaj ao se acomodar sobre o tronco para voltar ao seu cochilo.
— Bom... Prazer em conhecê-los, Nawkis!
Eles responderam de maneira bem desanimada, exceto Qaj, que já estava dormindo novamente.
— Quanto tempo você vai ficar aqui? — indaga Beta, mas fico sem palavras, pois realmente não sabia quanto tempo poderia, ou até mesmo deveria ficar.
— Somente o necessário, Beta. — Kalra responde apática.
— É, acho que essa é a melhor resposta para o momento... Mas, e aí, Kalra... Me fala mais em como você sabe sobre meus sonhos, esse lugar e a minha vinda até Giqoi...
— A resposta está em você, não em mim... Eu apenas sei de informações que afetam o bom funcionamento desta galáxia, nada mais...
— Então você sabe tudo sobre Fragor?! — pergunto curioso.
— Não, Rick! Sei tudo sobre você... Você! Você! Você!
Aquele tom pareceu um tanto rude. Não entendia o que ela tentava me dizer... A conversa sempre voltava a mim... E eu já estava me incomodando com isso.
— Antes que faça mais perguntas... Você deverá ir até a montanha negra e se preparar... Não há muito tempo a perder!
— Ah, essa estória de tempo de novo?!
— Sim, Rick, até você entender como o tempo e o universo funcionam e aprender a usar tudo isso a seu favor, você ficará para trás...
— Mas eu não entendo! Não entendo nada disso!
— Ih, olha o chilique... — comenta Axe em tom de deboche.
— Pare de perguntar pelas respostas, e comece a procurá-las dentro de si, Rick! — comenta Sao, mostrando muita empatia.
— Valeu, Sao... Nem sei por onde começar... — retruquei muito desanimado.
— Comece pela montanha. Ela será a preparação para sua grande batalha! — explica Beta.
— Está bem... — consenti — E você Kalra, não vai dizer mais nada?
— Uai, você não me ouviu? Tenho que repetir, crianças?!
— Ele vai se acostumar com a gente, Kal... Dê mais tempo! — argumenta Sao.
Kalra veio até mim e me deu um agradável e caloroso abraço em despedida... Eu deveria partir para a montanha...
— Não se preocupe, Sao e Beta levarão oans para você uma vez por dia. Vá e volte preparado!
Assenti e parti em direção à montanha... Mas assim que vi que Kalra e os nawkis entraram na floresta, rapidamente mudei minha rota para retornar a minha nave encalhada no desfiladeiro. A última coisa que queria nesse momento era buscar respostas. Eu apenas queria ficar em paz comigo mesmo... E isso significava enterrar o corpo do meu velho pai que ficara na nave.
Foram aproximadamente vinte minutos de caminhada até a nave yatogana. A nave ainda tinha uma reserva grande de energia, mas estava com um dos propulsores danificados. Ela não voaria novamente até que fosse consertada, e eu tinha habilidade zero para a tarefa.
— Droga! Agora estou preso nesse planeta... A Kalra até que é gente boa, mas esse lance de subir à montanha à procura de respostas... Não estou nem um pouquinho a fim.
Literalmente me derrubo sobre o acento do piloto e abaixo a cabeça ao suspirar. Pisco algumas vezes e meus olhos encontram no chão o mesmo dispositivo sonoro que eu havia encontrado no corpo de meu pai. Apanho-o para ouvir novamente a mensagem que ele continha, mas a bateria parece ter descarregado.
— Porcaria... Não vai funcionar... Já era... — digo ao retornar ao acento, derrubando o objeto em meu colo.
Uma luz verde no painel de comando se acende.
— Use o carregador por indução na divisão de reparos. — falou o computador de bordo.
— Energia por indução? Os yatoganos são bons mesmo! Vale a pena tentar...
Levei o dispositivo até a sala e coloquei-o sobre a placa que o computador de bordo me orientara.
Após dois minutos a bateria do pequeno dispositivo estava cheia.
Liguei-o e coloquei-o a reproduzir seu conteúdo.

ASAN QUO, GUARDIÕES REAIS: ODISSEIAWhere stories live. Discover now