Capítulo 1

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"Um Peeta Mellark gentil é muito mais perigoso para mim do que o contrário. Pessoas gentis conseguem se instalar dentro de mim e criar raízes."
Jogos Vorazes, página 56

Os raios de sol penetram pelas pálpebras dos meus olhos. Quando os abro, avisto em cima da cômoda uma bandeja com pães de diversos formatos, algumas fatias de queijo de cabra e uma xícara de chá ainda fumegante. Viro meu corpo para o outro lado da cama e lá está Peeta olhando para mim, como todas as noites antes de eu dormir e todas as manhãs quando acordo. Cuidando para que eu não tenha pesadelos. E, se caso eu venha a tê-los, ele está lá para me salvar.

Peeta também tem seus pesadelos. Diversas vezes acordo com ele falando sozinho e sou corpo paralisado na cama, com o coração batendo acelerado e seu corpo molhado de suor. Quando isso acontece, seguro suas mãos, acaricio seus cabelos e canto para ele. Aos poucos, o ritmo da batida de seu coração diminui, até se normalizar.

Cantar. Algo que eu não fazia há muito tempo, desde a morte de meu pai. Algo que se tornou extremamente doloroso depois disso, e ainda mais doloroso depois que cantei para Rue. Hoje, cantar ainda me trás dor, mas é o método mais eficaz possível para resgatar Peeta de seus pesadelos, então concentro-me nisso.

— Bom dia, meu amor. Dormiu bem? Nenhum pesadelo essa noite, certo? — ele tira meus cabelos da testa e me beija, pegando em minha nuca.
— Bom dia. Sim, nenhum pesadelo — consinto e retribuo o beijo.

É assim todos os dias, é dessa forma que sobrevivemos às terríveis lembranças do passado que nos assombram diariamente. Pesadelos sobre estar nos Jogos Vorazes ou nos túneis da Capital, flashbacks da morte de pessoas queridas... se eu não tivesse Peeta ao meu lado, que é o único capaz de entender todo esse turbilhão de sentimentos, eu com certeza enlouqueceria. Sento-me na cama, aproximando-me mais dele.

— E você, dormiu bem?
— Melhor, impossível! — Peeta diz, espreguiçando-se. Eu rio. — sei que ainda é cedo, mas preciso começar a fazer o bolo da Effie e do Haymitch. Te vejo mais tarde?
— Claro. Assim que deixar as crianças na escola, vou direto para a padaria.
— Amo você. Não se esqueça do café da manhã! — ele se despede com um beijo.
— Eu também amo você.

Peeta voltou a trabalhar na padaria, depois que ela foi reconstruída, é claro. Todo o nosso Distrito foi. O sistema de governo foi reestruturado de forma a oferecer condições melhores a todos. Eu o ajudo como posso, apesar de não ter o dom que ele tem para a panificação. Além disso, para me manter ocupada, dou aulas de plantas comestíveis e medicinais na escola algumas vezes na semana. E sempre que posso, vou à floresta caçar com o meu bom e velho arco. Não mais por necessidade mas sim para me distrair e fugir de memórias ruins.

Depois de comer e me preparar para o dia, acordo as crianças e as preparo para escola. É impossível não sentir um amor avassalador no simples gesto de olhar para elas. Para ser sincera, ser mãe não era algo que estava em meus planos. Antes da revolução pelo simples fato de não suportar a ideia de passar pela Colheita sabendo que meus filhos poderiam ser os escolhidos e, após o fim da revolução, por saber como é lacerante a dor de perder uma pessoa amada e ter medo de ser obrigada a passar novamente por isso. Já Peeta sempre foi fascinado por crianças e após o nosso casamento, trazia sempre à tona o assunto, mas eu dizia não estar pronta e ele respeitava isso. Depois de quinze anos, entendi que Peeta queria muito tê-los e então cedi. O terror começou quando passei a não suportar nem mesmo o cheiro da minha comida favorita, o ensopado de cordeiro com ameixas secas. Aumentou quando a senti pela primeira vez se agitando dentro de mim e quase tomou conta de todo o meu ser quando chegou a hora de ela nascer. Mas tudo isso desapareceu quando a segurei em meus braços pela primeira vez. Pouco tempo depois, veio ele. Foi um pouquinho menos assustador, mas pouca coisa a menos.

𝑹𝒆𝒏𝒂𝒔𝒄𝒆𝒏𝒅𝒐 𝒅𝒂𝒔 𝑪𝒊𝒏𝒛𝒂𝒔Onde as histórias ganham vida. Descobre agora