Capítulo ⅩⅩⅩⅠ

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16 de julho de 1869

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16 de julho de 1869.

— Nós três sabemos a razão pela qual me separaram de Hélia, Pandia e Ersa. Irão se pronunciar ou permaneceremos todo o trajeto em silêncio?

Charles lança um olhar amedrontador na direção de sua primogênita. Qualquer outra pessoa teria vacilado, mas não ela. Esses olhares eram tão consuetos. Antes, pertenceram a um duque poderoso e, agora, são vítimas de um velho enfermo.

A senhorita Lancaster estava numa carruagem, acompanhada de seu pai e sua madrasta, Pauline. A família estava indo para a casa dos Kempebell, haviam aceitado o convite há algumas semanas e pretendiam passar cerca de duas semanas ouvindo as famílias mais nobres de Lodres. E mais insuportáveis também.

— Selene, você sabe que tudo o que fazemos é visando seu bem-estar, certo? — Aquela frase foi como levar um gancho de direita para a Lady Selene, seus olhos se encheram com uma irritação desmedida. Não sabia se era o passado vindo à tona, ou a tensão pré-menstrual que a incomodava mais — Como a mais velha você possui algumas responsabilidades e entre elas está um casamento adequado. Suas irmãs caçulas não podem se casar antes de você.

Pauline tinha o dom da enrolação e quanto mais palavras saíam de sua boca, mais a enteada admirava a paisagem vinda da janela da carruagem, ignorando o som azucrinante que vinha das cordas vocais dela.

— Por isso, decidimos que aceitaremos o noivado em seu nome — Isso certamente despertaria os devaneios de qualquer um.

— Sua mãe está falando com você, Selene. Não ouse desmerecer seus esforços.

Um rubor assumiu o rosto de Sel, enquanto se forçava a manter a respiração contínua. Um brilho de ódio percorreu seus olhos. Um sentimento que tanto conhecia e tanto se esforçava para esconder.

Era inevitável. O casal parecia querer que ela perdesse o controle. Continuavam tomando decisões em seu nome, continuavam a obrigando a fazer coisas que não queria pelo bem das irmãs e continuavam com suas expressões falsamente dóceis. Só ela sabia que nenhum deles guardava qualquer tipo de doçura. Só ela sabia o quão insignificante sua opinião era perante as convicções de um homem, especialmente, um de tão fácil manipulação.

— Como poderia? Ela se esforçou tanto para se tornar sua amante e tomar o lugar de mamãe assim que ela se foi. Seria impossível me esquecer de seus sons grutuais nos corredores enquanto minha mãe se isolava e morria lentamente. Uma doença muito conveniente para seus planos. Não é, Senhora Cullimore?

O som do tapa que a antiga duquesa desferiu foi estrepitoso. Como se não fosse suficiente, seus olhos tomaram uma cor negra (o que ofereceu um vislumbre vívido de Maison) e seus lábios se aproximaram de seu ouvido. Com a voz mansa, um sussurro foi mais cortante que mil facadas:

— É Senhora Lancaster para você. Gostaria que se lembrasse de seu lugar, querida. Não ouse me profanar, caso contrário, a colocarei no primeiro navio para a França.

Com os olhos chorosos, a monstruosidade virou-se para o marido. As lágrimas começaram a cair em poucos segundos e seus pedidos de perdão eram regados de emoção. Comovido, o Senhor Lancaster tratou de acalmá-la, convencendo-a de que qualquer um teria se descontrolado.

— Eu sinto muitíssimo, não sei o que deu em mim! Me esforço tanto por esta família e por Selene. Parece que não importa o que faça, ela nunca me chamará de mãe...

— Não se preocupe minha cara. Por que não vai até a carruagem das meninas? Eu lidarei com este desrespeito. Fique tranquila, colocarei juízo na cabeça da menina.

Com dois toques leves no teto da carruagem, o cocheiro parou. O rosto vermelho e inchado de Pauline ficava cada vez mais distante e, por um segundo, Ariane podia jurar ter visto os resquícios de um sorriso.

Charles nunca utilizou uma expressão tão severa antes. Não importa o quanto evitasse desapontá-lo, nada parecia surtir efeito. Seus desejos sempre ficavam em segundo plano e o pai nunca a defendia, sempre ouvia os conselhos da antiga esposa do irmão. Mesmo que Selene nunca o questionasse, mesmo que aceitasse suas ordens de bom grado e mesmo que garantisse a felicidade das irmãs, percebeu que não seria o bastante para o pai. Nem mesmo permitiria que ela escolhesse o próprio parceiro.

Quando as carruagens voltaram a percorrer o caminho em direção ao subúrbio de Londres, o silêncio continuava mortífero. As veias do pai pulsavam e suas mãos se fecharam em punhos, como se estivesse depositando todas as suas forças ali.

— Vai me desferir um soco, ou permanecerá calado de novo? Acredito que seja o melhor que consiga fazer. Tal pai, tal filha.

Lady Lancaster estava ácida. Insuportavelmente mal-humorada e pronta para colocar a vida em risco. Poderia aceitar várias coisas; porém, não permitiria ser forçada a se unir com um homem que mal conhecia pelo resto da vida. O pensamento de ser tocada por ele e seu olhar nojentamente lascivo, lhe causava pesadelos à noite. Arrepios e uma poça de suor, eram poucos se comparados as diversas vezes em que o ar saía de seus pulmões.

Por mais que soubesse que casar com aquele homem obcecado, fosse algo irremediável, pensava que poderia ao menos ter um tempo com as irmãs. Um tempo para se acostumar com a ideia de ser uma princesa. Um tempo para se sentir levemente normal e sã.

A risada macabra do ex-duque dominou o espaço. As palavras fugiram da boca dela e os tremores de terror foram arduamente disfarçados.

— O que espera fazer, Selene? Rejeitar o príncipe? — O sarcasmo e frieza eram arrebatadores — Gritar com sua madrasta não vai resolver as coisas. Não vou aceitar que suje a imagem dela dessa forma, que fira seus sentimentos para se sentir melhor com seus nervos e paranóias. Nunca permitirei que se torne igual a sua mãe. Continuará obediente...

— Então, terá de colocar uma arma na minha cabeça, papai. Não sou mais seu cãozinho de estimação. Não tenho mais dez anos.

— Você pode até não ser um cão meu bem; todavia, certamente é minha para fazer o que bem entender. Sou seu pai, você me pertence. Casará com quem eu mandar e quando eu mandar. Ou, você se esqueceu do que andou fazendo na França por todos aqueles anos? Soube que tentou me desobedecer e, entregar aquelas cartas para suas irmãs. Felizmente Pauline previu o que você faria e retirou todos os conteúdos comprometedores. Talvez, Maison devesse saber. Quem sabe assim, você não se convence de que sempre estamos um passo a sua frente.

Confidências ao AnoitecerWhere stories live. Discover now