Capítulo Ⅰ

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Lancaster, Condado de Lancashire, Inglaterra

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Lancaster, Condado de Lancashire, Inglaterra. Junho de 1860.

— Você só pode estar de gozação pai! Casar-se com ela seria uma traição descarada à memória da mamãe.

— Não seja boba, Selene. É a mais velha entre suas irmãs, e dez anos já é idade suficiente para saber como o mundo funciona: vocês precisam de uma mãe e eu de uma esposa. Não posso fazer isso sem seu apoio, é de extrema necessidade que mostre aceitação a Hélia.

— Acha justo me pedir o impossível? Afirmando que devo deixar minha moral de lado para que minhas irmãs aceitem esse compromisso? O senhor insiste em me colocar numa posição inegável; afinal, se recusasse seria como se dissesse ter um senso de justiça maior que o amor que sinto pelas minhas irmãs.

— Não seja tão drástica, Selene. Eu jamais a colocaria em tal posição.

— Pois o senhor acaba de o fazer! Farei o que me pede e vou usar a educação dada por minha amada mãe. Em troca não espere que finja gostar da situação. Evitarei encher a cabeça das meninas com meu desgosto, tratarei minha tia como sempre, mas saiba que nunca a chamarei de mãe, me declino.

— Como pode ser tão teimosa? Não vai ousar trata-la de outra forma que não impecável! Fim de discussão. Seu primo e sua tia irão morar conosco a partir de amanhã. Agora vá anunciar as boas novas a Hélia, Pandia e Ersa.

Selene Ariane Lancaster era tudo, menos paciente. Amava regras de etiqueta e ao mesmo tempo recusava-se a se portar como uma dama quando o assunto em questão claramente a irritava. Muitas situações já a irritaram: ter que dividir seu quarto com Hélia, deixar de comprar os vestidos franceses que queria, não poder sair para brincar sem suas irmãs mais novas, mas nada se equiparava ao que sentia naquele instante. Perder a mãe é algo suficientemente devastador, porém perder Amélia era como perder uma parte de si mesma. Ambas eram extremamente apegadas uma à outra. Sele compartilhava todos os seus ingênuos segredos e sempre se escondia atrás das saias bufantes da mãe quando sabia que iria levar bronca.

A situação criada por seu pai fez com que sentisse algo pior que a irritação, algo que jamais ousara sentir: ódio. Apenas quatro meses de luto foram suficientes para o viúvo Lancaster, que pedira a cunhada de seu falecido irmão mais novo em matrimônio. Com este compromisso, ele acreditava estar fazendo o melhor para as filhas e para si mesmo; afinal, Maison Theodore Cullimore Terceiro, filho único de tia Pauline, já era seu herdeiro legítimo. Mantendo-o por perto e criando-o como seu próprio filho, o duque se certificaria que suas quatro filhas receberiam toda a quantia necessária para achar um bom marido e viverem confortavelmente. Isso era algo que Selene não sabia, uma vez que possuía apenas dez anos de idade e tudo que conseguia raciocinar naquele momento era o ódio que sentia pelos Cullimore.

— O que você fez dessa vez, Sele?

Hélia indaga com um olhar acusador enquanto observava as gêmeas: Pandia e Ersa, que brincavam com suas bonecas na biblioteca. As meninas passavam o entardecer do dia juntas, fazendo passeios para assistir ao pôr do sol, piqueniques e lendo histórias na biblioteca do castelo de Lancastre, local em que vivem desde o nascimento. A Srta. Peregrine, sua tutora, as mataria se soubesse que não estão fazendo seus deveres de francês hoje.

A segunda filha do duque de Lancaster possuía olhos escuros e cabelos loiros escuros como os de sua mãe. Era cedo para avaliar seu porte, porém, ainda que não se encaixasse no padrão atribuído às jovens, havia muita expectativa depositada a ela. Hélia tinha apenas oito anos e já era a mais pura e inocente criança de toda Lancashire. Seu jeitinho doce já encantara todos os adultos da região. Certamente recebia mais convites para festas infantis que Selene. Tal fato fazia com que sua irmã mais velha a protegesse excessivamente das maldosas fofoqueiras do bairro, com o intuito de ajudá-la a permanecer com sua abençoada ingenuidade.

— Por que assume que o erro foi meu?

— Então o que papai fez?

— Além de me obrigar a contar-lhe uma notícia devastadora?

— Ó céus, o que aconteceu? Pare com esse mistério todo, você sabe que odeio isso!

— Papai e tia Pauline vão se casar, e a partir de amanhã ela e nosso primo virão morar conosco.

— O quê? — Sua surpresa fora tanta que, ao ouvir o elevar das vozes, suas irmãs menores arregalaram os olhos assustadas e resolveram se aproximar.

— Você se machucou Hélia?

Pandia se debruçou na poltrona ao lado de Hélia com uma expressão preocupada. Mal sabia que toda a preciosa paz que zelavam seria atormentada. As gêmeas sempre foram arteiras, mas quando se tratava de suas irmãs mais velhas, as garotinhas obedeciam-nas cegamente. Apesar de terem apenas cinco anos, eram extremamente inteligentes. Pareciam pequenas anjinhas com seus cabelos dourados e olhos cor de mel. Qualquer um as consideraria idênticas, exceto por suas irmãs, que sabiam identificar claramente uma da outra.

O companheirismo que cercava as Senhoritas Lancaster era invejado. A probabilidade de se encontrar tal lealdade e amor naqueles tempos confusos era quase nula. Se amavam, respeitavam e contavam todas as fofocas e segredos umas às outras. Tudo graças a sua mãe, que sempre incentivou tal relação afirmando que unidas seriam imbatíveis, ou ao menos não sofreriam tanto.

— Eu estou bem, não se preocupe — Hélia diz tentando tranquilizá-las, mesmo estando completamente pasma.

— O que houve Sel? Por que vocês estão tão esquisitas? — O tom desconfiado de Ersa soa como um sussurro enquanto se acomodava no colo da irmã mais velha.

— Bom, meninas a partir de amanhã a tia Pauline e nosso primo Maison vão vir morar aqui.

— Por quê? Eles estão sem casa? — Pandia questiona com certa confusão.

— Não, não. Ela e bobo do nosso pai vão se casar.

— Ora essa, Hélia! Tenha mais respeito, nosso pai não é bobo! Muito pelo contrário, faz tudo isso por nós... — Sele não necessariamente concordava com isso, porém concluiu que seria melhor que as demais tivessem a chance de acreditar nessas desilusões — Agora vamos subir e ir dormir, está tarde e não teremos tempo suficiente para ler uma história.

— Poxa, eu queria tanto um conto de princesas hoje.

— Eu sei, Ersa. Amanhã pedimos para nossa querida madrasta nos dar a honra de ler. Agora todas vão para a cama — Selene se levanta do sofá em que estava e carrega Ersa consigo até os corredores do castelo. Pandia e Hélia vêm logo atrás, obedientes à primogênita da família Lancaster.

Confidências ao AnoitecerOnde histórias criam vida. Descubra agora