[Não] Faça um Desejo!

35 1 0
                                    

Damian não esperava que fosse tão difícil, mas ele também nunca percebeu que o destino poderia ser extremamente criativo quando o assunto era seu sofrimento. Assim, aqui estava ele: preso em um barco a motor com um filhote babão e uma tagarela como companheira. Apenas ótimo.

—Não seja resmungão. Pelo menos estamos vivos —Admoestou a lontra, um sorriso cheio de dentes afiados apontados para ele.

—Se isso for viver —O garoto rebate, indo se sentar ao lado do animal.

Suas costas tocam a madeira da parte de trás do barco, fazendo um fio de dor percorrer pela sua coluna. O menino engole um gemido e se faz mais confortável ao mesmo tempo em que a mão direita tateia o espaço ao seu lado, procurando algo que ele sabe que está lá.

Ealim o observa brevemente antes de voltar à cabeça para a figura pequena. O bebê morcego demônio parecia satisfeito em se pendurar na borda do barco, as garrinhas arranhando e perfurando, dando mais aderência ao monstrinho.

—Screee —Ele fala, batendo as pequenas asinhas. Não há nada a quilômetros de distância, nada além do azul do mar e das nuvens brancas no céu. Damian realmente não sabe o que ele tanto ver que o deixa tão curioso assim.

—Pelo menos está se divertindo —Ealim deita a cabeça em seu colo —Teria morrido se não fosse por ele.

"E nós também" pensa o assassino, finalmente, agarrando o objeto que tanto procurava e o levantando na altura dos olhos. A luz do sol da manhã bate na lâmina afiada e reflete em suas pupilas. Instantaneamente, letras aparecem, talhadas no próprio sabre, como se fosse alguma espécie de magia. Damian não descarta essa possibilidade; ele conhece sua mãe bem o suficiente para saber que nenhuma espada normal a satisfaria.

—Zahrat alshita' —As palavras soam delicadas em sua língua, como um rio que corre em seu curso normal. Fácil. Confortável.

O menino brande a arma, equilibrando a espada no alto antes de cortar o ar lentamente. Uma, duas, três vezes. O vento se parte sobre seu domínio, dividido em dois enquanto a lâmina se tornava mais leve e mais fluída a cada movimento, como se fosse ela a se adaptar à Damian e não o contrário. Há muito tempo atrás, quando ele tinha idade o suficiente para andar, seu professor havia lhe entregado uma katana feita de bambu e lhe dito: "Uma espada é mais que um simples objeto. Ela é uma arma ciumenta que pode ferir aqueles que não entendem sua conversa, mas que também pode ser uma aliada poderosa". O menino não havia entendido o que aquilo significava naquele tempo, mas agora, segurando o sabre que sua mãe conquistara na sua mocidade, ele compreendia, perfeitamente, todas aquelas palavras.

—Flor do Inverno —Repetiu o nome dela, dessa vez não mais em árabe.

Ele respirou fundo e embainhou a arma, escondendo-a, novamente, embaixo da lona preta que jazia enrolada a alguns metros à esquerda dele. Seus pensamentos se desviaram do presente que Ravi trouxera para focar no próprio Ravi, fazendo sua mente formigar com as lembranças do que acontecera há cinco dias.

—Você está pensando nisso de novo? —Queen o interrompeu, subindo em suas patas abruptamente, a cabeça disparando na direção do filhote que havia se desequilibrado e caído para trás.

—Cale a boca —Damian respondeu de mau humor, escolhendo se levantar para pegar no colo o bebê desajeitado.

Ele ficou ali, de pé, aproveitando a brisa suave do mar ao mesmo tempo em que deixava suas memórias vagarem. Sentiu vertigem e cansaço, o vai e vem do mar o amarrando em um ciclo enjoativo e sem fim. As pernas tremeram e os braços apertaram envolta da bola de pelo. De repente era como se estivesse no fundo do mar novamente e este estava contente em devorá-lo vivo.

Coração de PoeiraWhere stories live. Discover now