Pensando melhor

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Pensando melhor, Lica deveria ter dito não! Deveria ter batido a porta do dormitório na cara de Clara assim que a irmã apareceu com a ideia maluca de jantarem com o pai delas naquela famigerada noite de quinta-feira. Nada de bom poderia vir daquilo e mais uma vez a garota não conseguiu não fazer o que a irmã mais nova implorou para ela.


Era óbvio que tudo de ruim iria acontecer, não seus bastavam os próprios problemas, Heloísa aceitou revisitar um de seus demônios e obsessores em vida mais uma vez. Mas o que podia fazer? Não tinha nada que Clara não pedisse sorrindo que ela não fizesse chorando.


O fiasco do encontro em família não poderia ter terminado pior: não bastassem as micro agressões por parte do Seu Edgar e momentos intermináveis de silêncio ensurdecedor, o cartão do, teoricamente genitor, não passou na hora de pagar a conta! E nem Clara e muito menos Lica possuíam dinheiro para encerrar o vexame. Foi preciso ligar para o irmão do pai, o querido Tio Luís, para resgatar os três da vergonha estratosférica.


Lica quis morrer quando viu pelo canto de olho que o Delegado Lambertini com a família também estava jantando no mesmíssimo lugar. Tentou rezar para quem ou o quê fosse que estivesse lá em cima para que não deixasse Samantha ver toda aquela cena.


Pensando melhor, Lica deveria ter dito não! Teria doído menos e preservado sua sanidade e seu tempo, que vinham há muito comprometidos por toda a história de Garota-Aranha. Qualquer coisa teria sido melhor do que ter aceitado participar desse maldito jantar.


Contudo, Clara era sua única irmã e, por mais que doesse estar na presença abominável de seu pai, deixar a irmã sozinha e aguentando o que quer que fosse vindo dele doeria muito mais em Lica do que toda essa presepada na qual estava passando naquela noite de quinta-feira.


— Ei, por que essa carinha? — Luís aproximou de Lica na saída do restaurante a abraçando pelos ombros. — Tá tudo bem, já foi resolvido! Vocês sabem que eu tô aqui.


Lica sentiu os olhos arderem e os apertou com força. Fazia tanto tempo que não chorava, não conseguia se lembrar quando havia sido a última vez. Nem quando levou uma surra de um grupo aleatório de valentões na rua, bem no início da descoberta de seus poderes, ou quando precisou enfrentar a professora Malu por causa de nota. Aparentemente uma atitude escrota do pai era o suficiente para anular qualquer tipo de superpoder ou amadurecimento que ela poderia conseguir.


Estavam indo em direção ao carro de Tio Luís — havia ido de uber e Edgar tinha perdido o carro recentemente — quando o sentido aranha de Heloísa fez com que a garota arrepiasse da cabeça aos pés. Se virou rapidamente e puxou a irmã em direção dos muros do restaurante. No segundo seguinte um carro desgovernado invadiu a calçada passando com as rodas do lado direito bem no local em que Clara estava antes de Lica a puxar.


O barulho da freada e os gritos assustados de seus familiares chamaram a atenção de quem passava e das pessoas dentro do estabelecimento. Não houve tempo para xingar e iniciar uma briga com o motorista imprudente, dentro do carro saíram quatro pessoas mascaradas e armadas.


Lica sentiu o suor brotar em sua testa, não tinha como sair dali para se tornar a Garota-Aranha e não tinha como agir às vistas de todos. A sensação de impotência e desespero a atingiram com força total. Pela primeira vez desde que iniciou sua vida dupla, Lica se encontrava de mãos atadas. Olhava apreensiva para o alto, para os lados, para trás e nenhuma saída aparecia.

Dupla JornadaWhere stories live. Discover now