013. privilégios

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Sinto o ar faltando nos meus pulmões. Seguro o celular tão forte que os nós dos meus dedos ficam brancos. Não consigo puxar oxigênio e não escuto nada ao meu redor.

Escuto, sim.
Eu escuto um tiro.
Sirenes de polícia.
Ouço meu pai chorar.
Ouço a voz dele.
Sinto as mãos dele em mim.
No meu rosto.
No meu colo.
Nas minhas pernas.
Quero arrancar minha própria pele.
Me limpar com uma bucha até que fique em carne viva.
Me sinto imunda, impura. Culpada.
Sinto saudade e arrependimento.
Sinto muito.
Sinto tudo.
Sinto nada.

Agora,
no sentido mais puro da palavra,
quero morrer.
Morrer.

Kie.
Kiara.
Kiara.

— Kiara. — é JJ.

É sempre JJ.

Quando escuto a voz dele, consigo recobrar parte da minha consciência, maneirar o turbilhão de emoções da minha cabeça por um segundo, me agarrar a nota da voz dele chamando meu nome como se fosse a linha que me segura viva.

Minha visão volta a focar, mas ainda estou nauseada. Não estou mais em pé. Estou sentada, veludo fazendo cócegas na palma das minhas mãos. Estou na cama do loiro, sentada na beira dela. JJ está sentado no chão, os braços segurando minhas pernas, que só agora percebo o quanto tremem.

— Kiara? — ele repete.

Consigo ver o alívio em seus olhos quando consigo focar minha visão nos dele. Eu quero que ele diga meu nome só mais uma vez. Só mais uma vez. Que os tons das cordas vocais dele me amarrem de volta a realidade e que aquela voz me diga que isso é um pesadelo. Só mais um. Só mais outro.

Ele estende dois dedos na minha frente.

— Quantos dedos tenho aqui? — ele pergunta.

Franzo o cenho.

— Que porra de pergunta é essa? — indago. O loiro chacoalha os dois dedos na minha frente de novo. — Dois.

Ele sorri.

— Tudo bem. Você lembra que dia é hoje?

Eu fecho os olhos para pensar.

— Sex... — soluço. — Sexta-feira. — respondo.

Ele pensa por mais um instante.

— Você vai gostar desse. — Maybank aumenta o sorriso — Qual foi a melhor coisa que já aconteceu comigo pra você?

Eu semicerro os olhos em direção a ele. Me esforço para pensar. As memórias voltam no meu cérebro assim que imagino algo que JJ tenha feito e que eu tenha rido. Mas uma se destaca. Semana passada, com Sarah.

— Na festa do... — eu soluço mais uma vez — baile ano passado. Sarah me mostrou um... — de novo — vídeo de quando aquela garota derramou a bacia inteira de ponche na sua cabeça e você ficou... — de novo, mas agora mais fraco — cheio de formigas porque tinha bebido muito e dormiu no sofá.

JJ gargalha. O som me traz de volta a realidade. Eu já consigo respirar melhor. Eu rio também.

— Foi muito engraçado. — ele diz, os olhos brilhando pela risada — Acredite ou não, a garota quis replay comigo de novo uma semana depois, mas eu não ia me humilhar tanto.

Eu rio ainda mais.

— Você já se humilhou por muito menos.

Os soluços pararam. Começo a fungar e só agora percebo que estou chorando. Quando ponho as mãos no meu rosto, minha palma volta encharcada. Minhas pernas também pararam de tremer, mas as mãos dele ainda estão lá. Como uma nota de rodapé, só para se fazer presente. Me lembrar que alguém está aqui.

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⏰ Última atualização: Jun 01, 2023 ⏰

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JJ e Kiara - Onde o Amor ComeçaOnde histórias criam vida. Descubra agora