Prólogo

67 7 0
                                    

Os toques da campainha na madrugada sempre soavam como o prenúncio de uma tragédia. Foi assim que Lily acordou, o coração disparado no peito, apalpando a cama ao seu lado como se Mateus tivesse fugido no meio da noite e se acidentado em algum lugar ermo, e agora alguém que havia encontrado seu corpo agonizante vinha avisá-la. Ao perceber que ele estava ali e também se levantava, seu cérebro foi em busca de outra desgraça.

-Ai, meu Deus, a mamãe! - Disse em inglês, sua primeira língua e na qual se sentia mais confortável, para desconsolo da acima-mencionada mãe.

-Lil, eles ligariam se fosse alguma coisa com a sua mãe.

-Qualquer um ligaria em qualquer situação, mas estão pendurados na campainha!

-Mais fácil ser um vizinho com problemas.

-Ou um vizinho assassino!

Mateus olhou para ela com a sombra de um meio-sorriso que, por sua vez, mostrava um indício de covinha.

-É melhor acabar com isso, então.

-Como assim? Eu sou nova demais pra morrer, Mateus! E você também, aliás.

-A gente só atende o interfone e pergunta quem é - Ele respondeu, tranquilizador. Fazia sentido. Mateus era sempre o adulto sensato dos dois, enquanto Lily era a criança surtada.

Mateus se aproximou do interfone com Lily um passo atrás, ela escaneando os arredores atrás de algum objeto para atacar o agressor. Ele apertou o botão:

-Quem é?

-Moi, Sabine!

Mateus virou-se com os olhos arregalados para Lily como se fosse o anticristo anunciando sua vinda à Terra, e ela rapidamente tirou a touca de cetim da cabeça antes que fosse flagrada com tão pouco glamour.

-Você a convidou pra vir aqui?

-Sem falar com você? Claro que não! - Lily respondeu, com a segurança de quem sabia que, pelo menos desta vez, não era culpada.

-Como ela tem o nosso endereço?

-Tá, eu dei – Lily falou e correu para se explicar: - Ela queria mandar um presente de casamento, Mateus. Eu tinha de dar, né?

-E o que ela nos deu?

-Um balde de gelo – Lily resmungou.

Mateus segurou o riso.

-Seu ídolo, a garota que você ficava babando porque era super rica e sofisticada, nos deu um balde de gelo?

A campainha tocou mais uma vez.

-Ah, merda – Lily gemeu.

-O que eu faço?

-Sei lá, mas são três e meia da manhã. Não dá para a gente deixar a mulher na rua. Ainda mais agora, que ela ouviu sua voz e sabe que tem gente em casa.

Mateus não disse nada, mas seu rosto não estava feliz. Liberou o portão sem dizer uma palavra, sabendo que eles haviam sido pegos em uma armadilha e não havia para onde fugir.

Sabine levou bastante tempo para subir os três andares. Quando finalmente chegou em frente à porta aberta deles, o fez com duas malas grandes e caras e um enorme sorriso no rosto. Seus cabelos lisos haviam crescido bastante, e Lily não saberia dizer exatamente de onde eram suas roupas, mas colocaria as duas mãos no fogo como eram de marcas caras. Lembrou-se da última vez que a viu, em uma delegacia de polícia, Sabine, desmascarada como prostituta e estelionatária, pedindo que Lily lhe arrumasse um advogado e implorando que não dissesse nada a sua mãe. Lily não sabia exatamente como aquela história terminara, apenas que quebrara a promessa e falara com a mãe de Sabine, e que a moça lhe mandou um balde de gelo como presente de casamento. Imaginou que a) ela terminara livre, mas não muito bem de vida; ou b) o gelo era metafórico. Como Sabine tinha acabado de aparecer, mais elegante que nunca, na sua porta, optou pela letra c) não sabia de mais nada.

Quando a Vida Acontece - Vol. 4Onde as histórias ganham vida. Descobre agora