Ep. 20 - Karina

3.3K 256 436
                                    

A consciência foi sendo recobrada aos poucos por Anita, que começava a sentir seus membros, seus movimentos. Quis abrir os olhos, mas suas pálpebras e sua cabeça estavam pesadas e doloridas. Sentia seu corpo anestesiado, como se estivesse quase dormente. Sua respiração estava pesada, assim como seu peito.

Passaram-se alguns segundos, ou minutos, ela não sabia ao certo, quando finalmente teve coragem de abrir os olhos, que se feriram ao sentirem a claridade adentrando suas órbitas. A agressividade dessa claridade em seus olhos foi acentuada pelo ambiente em que se encontrava: totalmente branco, as paredes, o teto, os lençóis em que repousava.

Só então Anita percebeu que estava deitada em uma cama, com um travesseiro fofo e confortável sob sua cabeça, e lençóis macios e sedosos sobre o seu corpo. Depois que seus olhos se acostumaram com a luz, ela olhou ao redor; parecia estar em um hospital.

Ela levou os olhos para a esquerda, e o que encontrou a surpreendeu: Verônica, sentada em uma poltrona ao seu lado, dormindo profunda e desconfortavelmente.

A delegada sorriu de canto, sentindo os músculos do rosto reclamarem um pouco, observando a escrivã repousar a cabeça por sobre o ombro. Parecia exausta, como se não dormisse bem há dias, mas mesmo assim, era incrível como ficava linda dormindo.

Anita limpou a garganta de leve, sentindo-a seca.

- Você vai acabar ficando toda torta desde jeito. - Disse a delegada, a voz rouca pelo desuso.

A escrivã despertou de supetão ao ouvir a voz de Anita, seus olhos tontos buscando pelo rosto da delegada. Ao vê-lo desperto e com um sorriso fraco, o rosto de Verônica se iluminou.

- Meu Deus, você acordou. - Ela se ergueu na poltrona, se aproximando da ponta do assento e repousando a mão sobre a mão de Anita - Não acredito, você realmente acordou. - Ela repousou a outra mão no rosto da delegada, os olhos brilhando de incredulidade admirada e emocionada ao ver Anita consciente - Você tá acordada. Meu Deus.

- Ei, tá bom, calma. - Anita riu, um riso fraco, mas sincero - Não precisa disso tudo também.

Verônica sorriu, erguendo a mão de Anita que segurava e dando um beijo, sentando-se para trás novamente na poltrona.

- Ai. - A delegada ajeitou a postura na cama, sentindo o corpo reclamar - Por que todas as vezes que eu tento te ajudar, eu acabo numa cama de hospital?

Verônica soltou uma risada curta, mas que não tinha nenhum resquício de alegria. Era uma risada pesada, triste. Ela tirou a mão sobre a de Anita, colocando-as sobre o colo e encarando-as. Seus ombros pesaram.

- Você já ouviu a história do Toque de Midas? - Começou Verônica, a voz baixa e cheia de pesar - É um mito grego sobre um rei, o Rei Midas, que era muito ambicioso e amava riquezas. Um dia, ele fez um favor para o deus Baco, que concedeu a ele um pedido. O Rei pediu para que tudo que ele tocasse virasse ouro. Baco concedeu.

A escrivã apertava os próprios dedos, como que incerta de como agir, o que fazer, o que falar. Anita nada falou, sentindo que não era uma conversa com espaço para que ela dissesse algo, apenas escutasse, querendo entender aonde Verônica queria chegar.

- Enfim, tudo que Midas tocava virava ouro e ele amava. Até que ele ficou sem poder comer, porque as comidas também viravam ouro. - A voz da escrivã era mansa, quase tímida, como se pedisse desculpas - E a filha dele encostou nele, e virou ouro. Ele perdeu tudo. Ele pediu misericórdia a Baco, que concedeu, e disse pra ele banhar as coisas que viraram ouro na água de um rio. Midas recuperou o que tinha destruído, inclusive a filha, que era seu bem mais precioso.

Anita continuou ouvindo, sem saber ao certo aonde Verônica queria ir com essa história mitológica - que a delegada já conhecia, mas não queria interromper qualquer que fosse o objetivo da escrivã em trazer a história.

FaíscasWhere stories live. Discover now