Ep. 14 - Impulso

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- Sua família já está longe. Isso é muito bom, é um ótimo início.

Anita estava passando pano na mesa de jantar enquanto Verônica varria a sala; fazendo os deveres domésticos juntas, aproveitavam para conversar sobre a vida. No momento, a única coisa em suas vidas era Matias, então conversavam sobre ele.

Depois do abraço silencioso e intenso da noite anterior, nenhuma das duas havia falado nada sobre ele. Simplesmente seguiam a vida como se nada tivesse acontecido.

- Sim. - Confirmou a escrivã - O Paulo nem questionou quando falei com ele. A essa altura já estão no avião indo nem eu sei pra onde.

- Ele não cria problemas quanto a sua situação? Com os filhos, e tal.

Essa era uma curiosidade que Anita tinha já há tempos. Não via como Verônica conseguia manter uma relação minimamente tranquila com os filhos e o ex-marido naquelas circunstâncias.

- Ele criava, no início. - Respondeu a escrivã - Ele não sabia o que tava acontecendo, né. Eu tinha morrido, de repente não morri mais, não falava nada com ele. Meus filhos foram orfãos de mãe mais de uma vez. - A voz dura de Verônica indicava uma culpa que carregava nos ombros pelo luto que fez seus filhos passarem - Claro que pegou ele completamente desprevenido. O que ele via era a esposa dele que mentiu que tinha morrido e sumiu, abandonando ele e os filhos.

- E o que foi que mudou?

- Eu tava viva. - Verônica riu - Ele ficou puto de início. Mas aí eu tive que explicar pra ele tudo o que aconteceu, e depois disseram que eu te matei. Eu tive que me despedir dos meus filhos de novo. Ele viu que eu tava segurando uma barra absurda sozinha, e eu vi que ele teve que segurar sozinho a barra dos nossos filhos crescendo com a dor de terem perdido a mãe, enquanto ele mesmo convivia com a dor de perder a esposa. Quando a gente se colocou no lugar do outro, ficou mais fácil. A gente sempre teve uma parceria boa no casamento, até tudo desandar no final. Acho que a parceria tá melhor ainda agora que estamos separados. Funcionamos mais como pais do Rafa e da Lila do que como marido e mulher.

Anita, que agora secava os pratos que estavam no escorredor e os guardava no armário, assentiu, entendendo o que Verônica dissera. Para ela, era muito irônico que pudesse existir esse tipo de parceria e cumplicidade - na qual era só ela ligar para ele dizendo que ele precisava fugir com os filhos, e ele aceitava de pronto - principalmente entre duas pessoas divorciadas. Era estranho, desconhecido para ela. Nunca conhecera uma parceria assim.

Tinha a relação dela com Carvana, mas eles eram mais cúmplices que parceiros. Ele precisava dela, ela precisava dele. Trabalhavam juntos. Eram colegas. Fim.

Tinha a relação dela com Matias, que... Enfim. Sequer era uma relação.

O mais perto que chegara de uma relação de reciprocidade e parceria com alguém fora...

Verônica.

A escrivã fora a única com quem havia chegado perto de construir uma dinâmica de confiança e igualdade. Na qual ela se tornara a única pessoa com quem Anita se sentia confortável o bastante para se abrir sobre seu passado, e na qual Anita estivera disposta a levá-la para ver o filho nadar.

A delegada riu consigo silenciosamente. Se alguém falasse para ela meses atrás que a única pessoa com quem iria conseguir construir uma relação saudável seria Verônica, ela provavelmente teria cometido duas atrocidades seguidas: homicídio e suicídio.

Mas, lá estava ela. Exatamente dessa forma.

- Tá, mas vamos lá, trabalhar. - Disse a escrivã, terminando de varrer - Vem cá pra gente decidir o próximo passo.

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