Ep. 15 - Armadilha

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Como de costume, Verônica acordou mais cedo que Anita, fazendo o café da manhã antes da delegada despertar - mas mesmo assim, já era bastante tarde.

Dessa vez, a escrivã dormiu no sofá, cedendo a cama para a antiga rival. Depois do que fizera na noite anterior, Anita se trancou no quarto e não estava disposta a sair, assim como Verônica não estava disposta a tirá-la de lá. Ela claramente precisava de um tempo sozinha para lidar com o constrangimento de encarar a escrivã novamente, e Verônica pretendia dar esse espaço.

A verdade era que a escrivã tivera uma dificuldade imensa de cair no sono durante a noite. Não conseguia parar de pensar no fato de que Anita tinha lhe roubado um beijo. Não conseguia parar de reviver a sensação dos lábios da delegada nos seus. Não conseguia parar de relembrar o fato de que ela havia retribuído. Mesmo tendo durado poucos segundos, Verônica beijou Anita de volta.

Que loucura isso tudo ter acontecido.

Mas agora, a cabeça da escrivã estava em outra coisa. Ainda que o beijo tivesse alugado uma boa parte de seus pensamentos na noite anterior, agora sua mente estava ocupada com algo diferente.

A porta do quarto se abriu, e Anita saiu do aposento em silêncio. Verônica a encarou, mas a delegada evitava encontrar seu olhar. Em silêncio, se encaminhou para o sofá, respirou fundo e disse, fitando as mãos:

- Eu te pago setenta reais agora se você fingir que o que aconteceu ontem nunca aconteceu.

Verônica soltou uma gargalhada.

- Você tá morta, Anita. - Disse ela, ainda rindo - Não tem nada na sua conta.

- Eu roubo o que precisar pra te pagar. Saio agora pra ir pra assaltar um banco. - Brincou a delegada.

A escrivã soltou mais algumas risadinhas.

- Não, tá tudo bem, eu... - Ela parou de preparar o café e apoiou as costas no balcão, olhando para Anita - Na verdade, eu tava pensando em outra coisa.

A delegada franziu o cenho, ajeitando a postura no sofá para encarar melhor a escrivã, curiosa em saber o que teria ocupado mais a cabeça de Verônica do que um beijo roubado de surpresa na noite anterior.

- Eu fui muito dura com você ontem. - Começou a escrivã - Eu fiquei muito frustrada e desesperada que pessoas morreram, Glória se expôs, deu tudo tão errado, então minha cabeça tava meio confusa. Mas eu não entendi o seu lugar de vítima naquela hora. - Ela umedeceu os lábios, suspirando - Deve ter sido muito difícil encarar o Matias de novo daquela forma.

- Não, tá tudo bem. - A delegada pressionou os lábios - Eu entendo sua frustração. Eu também não toleraria uma fraqueza dessas vinda de outra pessoa.

- Não. - A escrivã endureceu a voz - Fraqueza, não Anita. Você não é fraca. Não tem nada de fraco na maneira que você tá lidando com tudo isso, muito pelo contrário.

A delegada se calou. Na sua vida inteira, a única pessoa que disse para ela que ela não era menos ou menor ou fraca ou culpada pelo que acontecera consigo foi Verônica - mais de uma vez, agora. Ainda era uma perspectiva que lhe era estranha: a perspectiva de ela ser uma mulher forte e que não tinha nada de errado por ter passado o que passou. Mas a escrivã parecia determinada a normalizar essa ideia para a delegada.

- Agora vem comer, fiz café, separei suas torradas, tem ovo também. - Chamou Verônica - Eu vou dar uma ligada pro Prata pra saber como ele tá.

Anita assentiu, ligando a TV e se levantando para comer, enquanto a escrivã se encaminhava para o quarto.

- Oi, meu querido. - Sorriu Verônica, deitada na cama, quando ouviu que o amigo atendera do outro lado da linha.

Os lençóis estavam com o cheiro de Anita.

FaíscasWhere stories live. Discover now