-Ele travou as portas do carro e pôs as chaves no bolso.

-Você é um tolo. -Eu disse.

-Você é uma ingrata, Hamkins. Não sabe reconhecer nenhum esforço. Você é sempre Tosca dessa maneira? -Ele perguntou.

-Me leve de volta. -Eu disse calma dessa vez.

-Não vamos voltar. -Ele disse com a voz firme. Conclui que ele realmente estava falando sério e a raiva deixou minhas bochechas em cãibras.

-Você é um louco. Você É LOUCO! -Eu disse empurrando Arthur contra o carro, ele puxou meus braços com força.

Eu  saí de perto dele e comecei a andar. Arthur não veio atrás e eu não sabia se era grata por isso ou se ficava magoada por toda a ignorância.

-O carro fez barulho e parou do meu lado. Scaëfer desceu tão rápido que não deu tempo de sair de perto.

-Venha! -Ele puxou meu braço novamente e praticamente me jogou no banco passageiro. Bateu a porta e entrou.

A raiva chegou ao limite. As lágrimas desceram e eu não sabia se tentava sair ou se matava ele ali mesmo. Eu o olhei e ele me beijou do nada. Eu bati as mãos em seu peito, mas acabei puxando a blusa azul para mais perto. Passei as mãos em seu cabelo e ele se jogou em cima de mim. Se a porta não estivesse fechada nós teríamos caído no asfalto.

A raiva foi bloqueada e uma mistura louca de sentimentos se enrolaram e logo depois  se perderam. Arthur se afastou e o olhei.

-Você tem algum tipo de transtorno bipolar? –Falei entre suspiros.

Ele voltou a me beijar e eu não reclamei, nem poderia. Quando alguém sabe o que quer e impõe firmeza nisso, acaba obrigando você a ter certeza na mesma proporção. Ele saiu de cima de mim e sentou novamente no banco do motorista.

-Perdão. -Ele disse pegando em meu braço. O mesmo braço que eu quase havia quebrado no acidente agora estava com marcas de mãos.

-Você mudou de ideia sobre me levar de volta? -Perguntei. Ele ligou o carro e saímos do meio da pista.

Ninguém reclamou, ninguém falou mais nada durante a volta para a província. Dois carros passaram por nós e aproveitei a oportunidade para olhar a pessoa ao lado. De todas as formas mais idiotas a pessoa era linda e atraente.

Quando chegamos em minha casa, Arthur pegou a chave no banco e me entregou.

-Posso vir aqui amanhã?

-Sim. De qualquer forma, precisamos conversar. -Eu disse.

-Pela manhã?

-Tenho faculdade. Se não se importar pode vir à noite. -Ele consentiu e saiu.

-Aliça? Palhaço? Você falou comigo?

-Não pai. Perdoe-me. Só pensando alto.

-Como foi com a família de Johan?

-Bem. Eles são mais novos do que imaginei.

-Vamos. -Ele puxou meu braço para que eu entrasse para dentro de casa.

-Aí! -Reclamei tirando sua mão.

-O que há?

-Meu braço ainda está dolorido.

-Desculpe-me. Devemos ver isso com Dr. Gabriel.

-Não há necessidades pai. Apenas bati novamente. Até a noite já passou.

-Se diz. -Ele deu de ombros e eu fui para meu quarto.

Como eu podia sentir tamanha raiva de um estranho? -Pensei enquanto tirava o moletom e fazia um coque. Mas agora eu não queria distância. Queria aproveitar ao máximo a oportunidade e gritar tudo que acho na cara dele. A única dúvida que tenho é se ele vai me deixar sair viva depois disso. Afinal, ele é um futuro rei, não sei se ele tem direito de matar um cidadão de Wordsands, mas não vou arriscar.

Passei o resto da tarde de frente para o piano. Hora tocando, hora pensando. Maldita vida louca. Já estava escuro quando percebi que minhas pernas estavam dormentes de ter passado a tarde ali.

Vesti o vestidinho curto e leve de dormir e fui até o espelho do banheiro. Por que ele me beijaria? Não nem cheia de delicadezas como as garotas da elite de nosso país. O máximo que ele pode conseguir agora é um soco no nariz. Será que estou com razão ou só sendo Aliça como sempre?

-Você vem jantar? -Meu pai perguntou abrindo a porta.

-Vocês se importam se jantarem sozinhos? Vou dormir mais cedo.

-Posso entrar?

-Pode sim. -Eu respondi sentando na cama.

-Aliça! Olhe para mim. -Ele disse sério.

-Eu estou. -Disse olhando.

-Você acha que não a conheço? 

-Por que isso agora?

-Aliça em algum momento de sua vida, você terá que engolir todo o orgulho e essa raiva que é tão nítida quando algo de novo acontece.  As coisas não serão sempre as mesmas e as pessoas não são tão ruins quanto você imagina.  Está entendendo? -Ele perguntou erguendo uma sobrancelha e sentando ao meu lado.

-Saia, faça amigos, dê oportunidades. Você não é a melhor pessoa do mundo. Acredite que lá fora há homens e mulheres ainda mais nobres que você, e eles não se isolam. As melhores pessoas você pode encontrar no supermercado, na fila de banco e até em um palácio. Por que não?

-Eu entendo. -Respondi um tanto envergonhada de estar errada.

-Esse rapaz tem sido generoso com você. Ele deveria estar com a irmã, estar preparando um discurso para todo o mundo e vivendo a dor da perda de seu pai. Mas não! Ele perde cada dia tentando lhe ajudar, não sei se por culpa do acidente, mas engula essa atitude de criança e vire mulher. Saiba ser justa, porque isso também é virtude.

-Obrigada. Vou tentar considerar. Até onde der.

-Eu realmente espero que sim. –Ele observou. -Não precisa vir jantar, mas que isso não vire rotina. Você não vai se isolar de seus pais, nem se essa for sua vontade.

-Obrigada por me conhecer tão bem, meu pai. Boa noite. -Disse grata.

-Eu não pedi para te conhecer. São desprazeres da vida. -Ele disse sorrindo e jogou um beijo. Eu sorri. Meu pai é uma grande figura.

-Okay. -Eu disse suspirando. Está na hora de acabar com a raiz desse meu humor bipolar. E se preciso de cobaia, posso usar quem me quase deveu uma vida. Desliguei o abajur e tentei dormir.

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ImpérioWhere stories live. Discover now