15. Do florescer as cinzas

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Naquela mesma noite fiz minhas malas para viajar no dia seguinte. Madrinha Joana e dona Magna aceitaram meu pedido de ver o túmulo da minha mãe. Eu sentia que precisa daquilo. Sei que não fazia diferença, mas queria ir até aquele lugar. Queria está perto do corpo mortal da minha mãe, mesmo que aquilo fosse bobagem, mas para mim não era. Me despedi das minhas amigas e de Júlio. Eu ainda não conseguia encarrar todos como antes após o que aconteceu. Alguns me olhavam com pena e outros poucos com medo, mas a grande maioria me falava que foi só um surto de momento e que não desconfiava de mim. Júlio me disse que não sentia medo de mim, que seu sentimento ainda era de muito carinho e que nada mudava, mas eu não conseguia pelo menos naquele momento achar que tudo era como antes. Aquela viagem também seria boa para me afastar um pouco daquele ambiente. Eu poderia refletir.

Minha mãe havia sido enterrada em Fortaleza, na verdade o cemitério fica na região metropolitana. Viajamos de avião bem cedo e mesmo que eu ainda me sentisse quebrada, levantei disposta a não me atrasar nem um segundo. Fomos eu, madrinha Joana e dona Magna. Ela disse que iria aproveitar a viajem para começar minha preparação. Chegamos perto de meio dia em Fortaleza e eu queria ir no cemitério logo pela tarde. Então almoçamos rápido e ficou marcado de que nós sairíamos 14 horas. Aproveitei aquele tempo para ver Lourenço. Sentei perto da cama dele e queria ter algo para falar, mas nada saiu.

Tp - Só queria ter você para conversar, desde a última vez, tudo ficou tão difícil. - Eu disse com lágrimas nos olhos, mas não chorei.

Decidi não mais chorar. Já havia chorado o bastante para uma vida. O mundo não se importava com meu choro, na verdade ele se deliciava em me ver sofrendo, então não daria mais para ninguém o gosto das minhas lágrimas de dor.

Mg - Amanhã vamos fazer umas visitas, Tulipa. - Disse dona Magna enquanto dirigia o carro até o cemitério. Ela dirigia enquanto eu estava no banco de trás e marinha Joana ia ao seu lado.

Tp – Vamos visitar quem? - Perguntei curiosa.

Mg – Nem sempre quem, as vezes o que. - Ela disse misteriosa.

J - Você precisa conhecer algumas coisas, Tulipa. Para se fortalecer. - Disse madrinha Joana me olhando pelo espelho interno.

Depois disso conversamos coisas banais, senti que os assuntos eram introduzidos para amenizar o clima da conversa. Madrinha Joana me perguntou até sobre Júlio, eu fiquei corada e não consegui formular uma boa resposta.

Ao chegar no cemitério disse que queria ter um momento sozinha antes e as duas senhoras respeitaram minha decisão. Fui caminhando entre os túmulos. Escutava e via algumas coisas que não queria, mas fingi que não, só queria chegar até minha mãe. Passei por pessoas que sabia que não estavam vivas e percebi que elas pensavam que estavam. Até que cheguei em fim no meu destino.

Tp – O que é isso? - Falei comigo mesmo quando me abaixei e vi uma flor sobre um pedaço de papel em cima do túmulo de minha mãe.

O pedúnculo da flor atravessava um jornal recortado. Peguei primeiro o pedaço de papel que estava embaixo da flor. A flor era uma tulipa laranja e o papel era um bilhete. "Parabéns! Mesmo com a interrupção você conseguiu concluir sua vingança!" dizia o bilhete escrito em vermelho, eu sugeri que a tinta era sangue. Puxei o pedaço de jornal da tulipa e li. Era uma manchete que dizia: "Prefeito eleito com mais votos na última eleição no Ceará é encontrado assassinado com pescoço cortado em crime misterioso em sua casa". Na manchete havia uma foto da besta. E abaixo da foto havia em letras menores, mas com o mesmo sangue do bilhete a seguinte frase: "Pedi para seu padrinho te entregar uma lembrança do seu ato libertador".

Fiquei olhando aquela manchete e me lembrando do pescoço da besta escorrendo sangue. Aquele sangue no facão que meu padrinho jogou era da besta? Aquele sangue no bilhete era dele? Eu cortei seu pescoço o bastante para o matar realmente? Me questionei atormentada. Senti então que alguém me observava. Procurei atordoada e olhei para os lados. Até vê abaixo de uma árvore um garoto me olhar. Ele mexeu a boca e mesmo com aquela distância eu consegui escutar bem perto do meu ouvido o que ele falava. "Para o primeiro assassinato você foi excelente" ele disse sorriu macabro. Eu olhei novamente para a manchete e depois peguei a flor nas minhas mãos. Me acalmei e olhei para o garoto. Ele não era vivo, mas também não era um ser bom.

Nesse momento, minha madrinha e dona Magna se aproximaram. Dona Magna percebeu que eu olhava para o garoto e que ele não era um ser benigno.

Mg – Volte para seu lugar! - Ela disse e a imagem do garoto tremeu e pouco a pouco foi se apagando.

J – O que é isso? - Perguntou minha madrinha. - Você sabe que não é uma assassina, não é, Tulipa? Ele só quer te confundir, não ceda. - Minha madrinha me disse.

Tp – Tudo bem, madrinha. - Senti uma lágrima escorrer do meu rosto, mas limpei. Olhei para a árvore que agora não haiva ninguém e lembrei da frase do garoto. "Para o primeiro assassinato você foi excelente". - Obrigado! - Respondi para ele sorrindo. Coloquei a flor no cabelo e amassei os papéis. - Não ouse mais sujar o túmulo da minha mãe com besteiras! - Disse alto. Dona Magna sorriu e me entregou um isqueiro. Eu queimei aqueles papeis e pisei em cima. - Preciso visitar minha casa. - Foi o que respondi enquanto as cinzas voavam. 

Tulipa: Desabrochar.Where stories live. Discover now