Luto

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Os guardas carregavam o corpo inerte de Théodred. Os habitantes de Rohan se erguiam a volta, em silêncio e com suas cabeças baixas em sinal de respeito, uma massa de vestes pretas. Atrás do corpo, andávamos como em uma procissão fúnebre. Théoden ia a frente a passos trôpegos, e por um momento temi que ele pudesse desmoronar ali mesmo. Seu olhar estava completamente perdido.

Eu seguia atrás de Aragorn, ao lado de Legolas. Ele também mantinha sua cabeça abaixada em sinal de respeito. Eu sentia um nó na garganta, queria que aquela situação acabasse, queria poder me afastar para o mais longe possível do cadáver do príncipe e de seu pai. Mas respirei fundo, e prossegui. Senti a mão de Legolas apertar a minha, num gesto de conforto. 

Uma pequena colina se erguia no fim da passarela formada pelo povo de Rohan. Havia uma entrada em sua base, apenas um pequeno quadrado emoldurado por vigas de madeira. Um túmulo. Eowyn estava parada a frente dela, seus olhos marejados encarando diretamente o corpo de Théodred. Admirei a força da garota, que antes me parecera tão pequena e delicada. Como se pudesse quebrar ao menor toque. Mas ela não desviava o olhar, e se mantinha firme em seu lugar, o que me fez pensar que ela talvez não fosse tão frágil quanto parecesse.

Os guardas abaixaram o corpo de Théodred, e o empurraram para dentro da abertura na colina. Nesse momento o silêncio foi quebrado pela voz de Eowyn, que começou a cantar. Sua voz era profunda, e cheia de dor. Palavras de despedida, que me atingiram com tanta força quanto a maré se choca com as rochas.

...

O lugar estava vazio, exceto por Théoden, parado em frente ao túmulo de seu filho, e Gandalf, ao meu lado. Agora, eu podia ver que além da colina em que Théodred havia sido sepultado, muitas outras colinas iguais se erguiam por toda a planície. Pequenas flores brancas se espalhavam pelas colinas, mas não pelo chão em volta, como se marcassem o exato lugar onde os corpos foram enterrados por vontade própria.

- Sempre em mente. - Disse Théoden - Essas flores sempre cresceram nos túmulos de meus antepassados. Agora deverão cobrir o túmulo de meu filho. Esses dias malignos deveriam ter sido meus. Os jovens morrem, e os velhos vivem. Que seja eu a viver, para ver os últimos dias de minha linhagem. 

- A morte de Théodred não foi culpa sua. - Gandalf disse. 

- Nenhum pai deveria ter que enterrar seu filho. - A voz de Théoden estava embargada, e eu podia sentir que ele havia abandonado a postura de forte. Ele chorou, e caiu de joelhos em frente ao túmulo, sua mão cobrindo seu rosto.

Eu não podia explicar o que sentia, e nem o porque de eu me sentir tão mal por alguém que nunca conheci. Não é por Théodred, eu percebi, mas por Théoden. Eu não podia nem ao menos imaginar a dor pela qual o rei passava no momento, e no entanto já havia passado por algo parecido. Lembranças da batalha dos Cinco Exércitos voltaram a mim, como facas afiadas perfurando meu coração. Eu me lembrei do que senti, quando a pessoa a quem considerara mais do que um amigo, mas parte de meu próprio ser, estava morrendo em meus braços. Da pior dor que já me lembrei de ter sentido em toda a minha vida. Mas ele voltara para mim, embora eu provavelmente nunca mais vá vê-lo novamente, eu pensei amargamente. Théodred nunca mais voltará. E Théoden nunca poderá se perdoar, ou ter paz.

Eu não conhecia essa dor, de perder um filho. Dizem que o amor que se tem por um filho é o mais poderoso que existe. Eu não podia imaginar como seria isso. Sentir por alguém mais do que sentia por Legolas. Mas gostaria de um dia conhecer. E agora, vendo Théoden perder o que havia de mais importante na sua vida, sem que nada pudesse ser feito, meu coração afundou.

- Ele foi forte em vida. Seu espírito encontrará o caminho para o palácio de seus antepassados. 

Gandalf se virou para partir, e eu fiz menção de segui-lo. Quando de repente, ouvi o barulho de um cavalo ao longe. Me virei na direção do som, a tempo de ver o animal ao longe. E duas pequenas figuras em sua garupa. Crianças. Nesse momento, a figura maior montada atrás caiu do cavalo, e desmaiou na grama.

Não esperei por Gandalf. Corri apressadamente em direção ao cavalo. Assim que parei na frente do animal segurei as rédeas, olhando para a pequena figura ainda montada na garupa, com o olhar assustado. Era uma garota. Não parecia passar dos nove anos, e parecia a ponto de cair do cavalo. Me aproximei da lateral do animal lentamente, olhando para ela.

- Está tudo bem. - Eu disse, oferecendo minha mão para ela. - Está segura.

Eu a tomei nos meus braços, sem encontrar nenhuma resistência. Ela está muito fraca. Imagino quanto tempo passaram cavalgando. Coloquei a garota no chão com cuidado, e me certifiquei de que ela não iria desmaiar ou cair no chão antes de me virar para a outra figura ainda esparramada no chão. 

Este era um garoto. Um pouco mais velho, parecia estar em torno dos 11 ou 12 anos. Eu me ajoelhei ao lado dele, e coloquei dois dedos na lateral do seu pescoço. Senti um alívio me atingir ao sentir o pulso, fraco mas constante.

- Ele é seu irmão? - Perguntei à garota, que observava a cena com um olhar assustado. Ela apenas assentiu uma vez.

Nesse momento Gandalf chegou, indo imediatamente se ajoelhar ao meu lado.

- Ele está vivo. - Eu disse. - Só parece completamente esgotado.

- Temos que levá-los ao palácio. - Gandalf disse, sua voz séria. Parecia já estar pensando em alguma coisa. - E depois descobrir o que aconteceu.

Eu assenti uma vez. Levantei o garoto em meus braços com facilidade, e depois me virei para a menor.

- Venha. Vocês ficarão bem. - Eu disse. A garota veio até o meu lado, e se agarrou firmemente ao meu cinto. Arregalei os olhos com a surpresa, mas senti uma onda de afeto. Dando um sorriso reconfortante a ela, começamos a andar de volta para o palácio.

O Retorno do Anel #2Where stories live. Discover now