Preciso te contar algo....

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        — O que aconteceu no colégio ontem, filho?

      Ignoro pela décima vez sua pergunta enquanto me arrumo às pressas para meu compromisso, no hospital. Aproveitei minha suspensão para ver como Murilo está e amenizar minhas preocupações, que são muitas. Com certeza minha mãe me pôs de castigo e me repreendeu nesse cubículo mas nada me impede de fazer o que quero, e assim, viro um adolescente rebelde.

      Pego minha bike e ponho meus fones enquanto saio pelo portão dos fundos sem dar bandeira, vejo que o tempo não está como quis, vendo algumas nuvens carregadas e o céu escuro com o temporal que virá. Não hesitei em voltar para casa neste estado e continuo mesmo assim, sentindo alguns pingos leves caírem sobre minha testa e uma rajada de ventos começarem. 

      Quando chego no hospital, sou barrado logo na entrada e empurrado até a saída. Tento me explicar e dizer o que queria mas nenhum deles me permitiram terminar o que ditava mas um anjo da guarda me salvou naquele instante:

       — Esperem, por favor! - ela me afasta dos demais - Você é o Benjamin?

       — Sim, sou eu. - digo aliviado -

       — Podem deixá-lo passar, ele está comigo. -  a acompanho pelos corredores -

...

       — Murilo! - corro em direção de sua cama e noto ele desacordado -

       — Por sorte a cirurgia foi um sucesso, ele agora está de repouso mas passa bem. Você é um amigo dele?

       — Sim, nos conhecemos faz poucos dias. - explico sem tirar meus olhos dele -

       — Não é atoa que ele falava de ti..... era Benji isso..... Benji aquilo...... e assim ia. - ela me conta com risos - 

       — Ele é seu filho? - fico um tanto curioso -

       — Não, sou a irmã mais velha dele. Nossos pais sempre estão ocupados que nem aparecem, praticamente eu sou a " mãe " desse pirralho. - ela acaricia seus cabelos ainda rindo - Bem Benjamin, eu tenho que ir mas pode ficar aqui se quiser. Fique com isto - sinto o alfinetar do crachá em meu peito - e não faça bagunça, grite se precisar de alguma coisa! - sua voz se distancia - 

      Ficamos só eu e ele na sala e de algum jeito, eu estava sentindo ele se comunicando comigo. O cubro um pouco vendo ele um pouco destapado e ajeito seus braços no cobertor e de repente, sinto sua mão apertar meu pulso de leve.

      Chamo sua atenção e sinalizo aos médicos seu despertar, me sentindo mais aliviado de ver seus olhos se abrirem aos poucos e murmurar algumas palavras. Me afasto um pouco para que eles façam seu trabalho e me retiro para comprar uns lanches para nós, pois não tinha comido ao sair de casa.

      Pego meus salgados favoritos com suco natural de complemento, acho que fiquei uns vinte minutos plantado lá esperando meu pedido, que não era tão grande assim. Lembro-me de sentir meu celular vibrar várias vezes e não pude conter de dar uma checada nele antes de voltar. Não havia nada sério, apenas Sara me perturbando como sempre, dizendo que sentia minha falta e não esperava chegar o dia que eu voltasse para a escola, porque nem na minha casa ela poderia pisar.

       — E aí, ele acordou? - sua irmã me questionou curiosa -

       — Felizmente, sim. Tem tempo para ir vê-lo?

[...]

       — Vá com calma maninho, você logo saiu de um coma severo e já quer fazer tal coisa. - percebo ela afastando às muletas de sua vista -

       — Benji, preciso te contar uma coisa... - ouço sua voz fraca e seu esforço em tentar falar -

       — Tudo bem Murilo, me conte quando estiver em bom estado, ok?

       — É que.....

      Os enfermeiros o interrompem em seguida, para dar alguns medicamentos e cuidados básicos, eu e sua irmã então nos retiramos dali e sentimos ele tenso com sua vontade. Fiquei preocupado em saber o que se trataria, pois sua expressão não foi das melhores.

       — É melhor você indo já, está tarde para ficar aqui sozinho. - ela me informa -

       — Mas nem fiquei tanto tempo assim e nem me despedi dele ainda.

       — Aposto que tu nem reparou nas horas então, mas enfim, seus pais irão ficar preocupados. É melhor irmos, eu digo para ele seus motivos.

      Mas eu quero saber o que ele quer me contar....

...

      Meu inferno começou quando pus meus pés dentro de casa, meus pais ficaram furiosos com minha atitude infantil e imatura que me proibiram de sair de meu quarto até que tudo se acalmasse. O problema não era esse, mas o fato de não conseguir ir ver Murilo, e saber o seu discurso tão esperado. 

       — Por que saiu de casa sem nos avisar,  Benjamin? - sou barrado por meu pai ao chegar na cozinha -

       — Sente-se querido, o jantar está na mesa. - minha mãe me põe sentado -

      Sem dizer nada, me sirvo um pouco de comida e dou algumas garfadas antes de que me interrompam. Meu pai estava com sangue nos olhos que quase tive indigestão na hora, essa não foi a primeira vez que testei sua paciência e muito menos, o ignorar.

       — Eu soube desse tal Murilo, parece que são bem próximos, né? - ele inicia a conversa -

       — Foi por isso que saiu às pressas hoje? - não exito em respondê-los -

       — Descobri que ele é bixa também, deve ser por isso que estás naquele....

       — Perdi a fome, vou me retirar primeiro. Boa noite! - me retiro frustrado com que ouvi -

      Depois daquilo, me enfurnei no quarto por um bom tempo e não sai por nenhum motivo de lá, minha raiva e ansiedade me atordoaram a noite toda que pensei em tirar a vida de meu pai sem parar. Então fiz uma besteira ao invés disso, avistei uma gilete na escrivaninha ao lado da cama e não pensei duas vezes em ir pegá-la. Fiquei encarando-a por uns minutos e fiz um corte em linha horizontal com força, os respingos de sangue caíram sobre o tapete esverdeado e fiz outro logo depois. 

      Aquilo me extasiou um pouco, não senti nem um pouco de dor na hora. Dei um jeito de tirar tudo aquilo de dentro e funcionou, me cortar me curou.

The best thing I did was this and I don't regret it

The Price of a LifeOnde histórias criam vida. Descubra agora