Prólogo - 15 anos Antes da Chuva

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Vestido em minha camisa nas cores da bandeira púnica, eu encarava a televisão na sala do meu apartamento de 100 metros quadrados, esperando aquele resultado como um torcedor fanático de time de futebol. Os âncoras do Jornal da Noite, o de maior audiência nacional, narravam a apuração dos votos e, até agora, para a minha imensa felicidade, está favorável para o candidato..., que eu sei que salvará o meu país de estado caótico de sofrimento e miséria. Ele nos levará para o futuro brilhante que tornará o meu país uma grande potência mundial, tal como os EUA, a China e outras potências e nossa nação entrará para a História Mundial como uma gloriosa vitória sobre a corrupção.

Fiquei de pé quando o âncora principal informou que o relatório geral das eleições daquele ano. Peguei a minha bandeira, comprada para este momento, enrolei-me dela e apertei meus olhos, fazendo uma prece baixa para que aconteça o que tanto pedi. Que ele nos salve! Que o novo presidente tire a escória corrupta do poder e nos salve, resquício do antigo governo corrupto! Abri os meus olhos quando o âncora disse "O novo presidente da Púnia é..." e berrei como um louco, saltando e chutando o ar com muita felicidade e energia porque o meu candidato venceu!

Aquele era o maior momento histórico que já aconteceu e eu contribuí, dei o meu voto, fiz minha parte para salvar o país, não me acovardei e fiquei do lado certo deste combate contra a maldade! Eu gritei, assobiava, quase uivava, corri para a varanda do meu apartamento e sacudi minha bandeira para provar que eu fazia parte, que aquela felicidade era minha. Peguei os pregadores de roupa na lavanderia - demorei um pouco para achar porque estava atrás de uma caixa no alto de uma prateleira - e deixei a minha bandeira orgulhosamente ali, vendo outros me imitarem pelos prédios.

-Que bagunça é essa, Naruto? - o meu namorado saiu do quarto com os cabelos arrepiados pelo sono pesado. Eu costumo deixar alfas assim depois de transar. O que posso fazer? Sou um ômega muito resistente, inclusive eu me surpreendo muito com isso. Ele observava confuso a minha sala.

-... venceu! Venceu! De lavada! Agora nós teremos um presidente de verdade, decente, que protege os valores da nação e que nos salvará da desgraça do outro presidente! Uhuuu!!! - berrei de novo da varanda porque ouvi carros buzinando alto e pessoas celebrando. - Quer descer comigo para a festa, Chason? Temos que comemorar este momento com todos!

-Lá embaixo? Nem fodendo, Naruto. - foi até a minha cozinha buscar água na geladeira. Eu revirei meus olhos, sem acreditar que este alfa idiota vai estragar o meu momento de felicidade com os seus argumentos contrários ao governo. Se ele não fosse médico, como eu, o que significa que tem certo nível de inteligência, eu diria que é um incompetente burro. Um acéfalo. - Você sabe que não... concordo com essa vitória. - acenei em descaso. Chason é um idiota. Se ele não fosse bom de cama, com toda certeza eu já teria terminado com ele. - Não vamos brigar, amor.

-Eu não ia.

-Mas está com a cara de quem quer.

-Só não consigo entender como não enxerga as desgraças neste país!

Chason suspirou ao guardar a garrafa, depois de encher o copo.

-Em alguns meses, talvez anos, Naruto, vai entender por que fui contrário. Eu sei que vai. Não é estúpido e nem ignorante. Só está cansado de tudo isso, como todos nós. - afundei no sofá, perdendo completamente o bom humor. Chason veio até mim, abraçou-me por cima do sofá e deixou um beijo na minha bochecha. - Desce lá. - sorriu ao me fitar. - Vai comemorar. Sabe que a única coisa que me importa é que não me troque por um alfa, o resto eu aceito numa boa.

Revirei meus olhos e abaixei o volume da televisão. Minha vontade de curtir foi para o saco, mas uma boa noite de sono restaurará o meu vigor. Passei a noite revisando os casos dos meus pacientes para que fique tudo pronto para a manhã, enquanto ele usava a minha esteira para correr. Chason foi para casa depois do jantar e eu dei um tempo para ver as notícias nos jornais sobre esta novidade maravilhosa. Não estão mais falando da vitória esmagadora do presidente.

-Mas é a notícia mais importante do século, seus estúpidos! Filhos da puta! - berrei furioso antes de quase morder a língua. Tenho vizinhos idosos que dormem cedo. O âncora está falando de que houve um aumento expressivo de atividades marinhas ao redor dos portais interdimensionais, que alguns animais apresentam comportamentos diferentes que os pesquisadores entendem como "um ato de espera comunitário". Bom, não é o que eu queria saber, mas não deixa de ser interessante.

Sou muito curioso, o que é uma coisa boa e uma coisa ruim dependendo da ocasião. Agora a emissora passa filmagens ao vivo de tais atividades e, de fato, parece que os bichos estão nadando no fluxo do vórtice, mas nenhum entra, nem sem querer. Todos eles esperam. Minha atenção foi desviada pelo sinal sonoro do celular. É o meu grupo social de amigos que tem juízo e estão comemorando a vitória do nosso presidente.

Pelo menos eles eu sei que estão certos. Eu pessoalmente os "converti" para a luz da verdade, quando eu mesmo saí da ignorância e percebi os absurdos do governo. Combinamos de sair para beber depois do trabalho para celebrar a vitória. Ouvi um barulho diferente, me lembra uma buzina de navio, e não vinha da televisão. O jornal ainda apresentava aquele vórtice iluminado e o âncora narrava que "algo saiu de seu interior. Os especialistas estão investigando a natureza dos corpos vindos do portal".

Fui até a varanda procurar a origem do estranho som. Muitas outras pessoas, tanto no meu quanto nos outros prédios, estavam debruçadas em suas varandas olhando em todas as direções. De onde eu moro, posso ver muito bem a praia e o horizonte marinho. Há nuvens de tempestade vindo de lá, muito densas e cinzas, como se um vulcão as houvesse expelido. Se movem de um jeito estranho para nuvens.

O barulho irrompe de novo junto de um vento forte e faz as vidraças vibrarem. Que porra é essa? Engoli em seco. Meu celular toca de novo e são meus amigos desesperados por saber o que está acontecendo. Chason me liga e eu atendo imediatamente.

-Você está vendo o noticiário?! - ele quase gritou. Está ofegante. Corri para frente da televisão. Uma entrevista de... passa agora, é o seu discurso oficial como presidente. O local onde ele está é a praia. Ou perto dela. Fala animado sobre novos acordos econômicos e desenvolvimento imediato do país. - Olha essa porra! - atrás dele, da linha d'água, tem... pessoas. Pessoas saindo.

-Devem ser mergulhadores, não?

-Naruto, olha direito! Abre os olhos! Onde já se viu mergulhadores com tentáculos? - apurei a vista e percebi que o que eu pensava ser cabos do equipamento de mergulho, mesmo na escuridão, estão se mexendo. São pessoas, mas não são pessoas. - O que esse demente fez?! - Chason rosnou.

-Como assim?

-O seu presidente fez um acordo comercial em troca de dinheiro na campanha. Vendeu um pedaço do país! Para esses bichos bizarros vindos da puta que pariu!

-Que coisa mais sem noção é essa que você está dizendo, Chason?

-Olha a legenda do noticiário, Naruto.

Dizia que como seu primeiro ato presidencial, ... fez um acordo de comércio com uma população vinda de outro planeta. Em troca do apoio na campanha, ele vendeu uma faixa litorânea da Púnia, que só seria adquirida pelos compradores quando ele ganhasse. Não dá para ver o que são, mas andam sobre duas pernas e emergem do mar, os poucos captados pelas câmeras são, para dizer o mínimo, inumanos.

Guelras.

Tentáculos

Barbatanas.

Escamas.

Olhos esbugalhados.

Pele derretendo.

Parecem com os monstros dos meus pesadelos.

De novo aquele som retumbante ecoou por toda a capital do país. Voltei para a varanda, sem entender o que Chason está gritando porque sou incapaz de compreender. Não estou mais em mim, meus sentidos foram captados pelo horror primordial.

Em meio à tempestade violenta, uma montanha emerge da água.

Durante a ChuvaWhere stories live. Discover now