Vinte e seis

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Vinte de Agosto de 2016.

Dia da cirurgia.

"Eu sou o maior cretino que você conhece?
O único que te deixou ir embora?
Aquele que te machucou tanto que você nem consegue aguentar?"

The Greatest Bastard – Damien Rice

— Eeeestá tuuudo na maala? — Meu melhor amigo perguntou, assim que me viu carregando-a. Sua gagueira entregava que ele estava tão nervoso quanto a mim.

— Sim, tudo aqui — respondi, tentando ser indiferente àquela situação.

— Eeentão vaamaos — disse, abrindo a porta do meu apartamento.

— TonTon. — O chamei — Eu quero que entregue isso à Verônica, é a minha carta de pedido de separação — falei, tirando a carta do bolso e entregando para ele.

— Seeeparaçao? — Ele ergueu as sobrancelhas, meio atônito. — Iiisso é sésério?

— Sim, ela esteve aqui, não há mais volta, Milton, fiz coisas que ela não é capaz de perdoar, ela disse que queria se separar e eu não quero que ela mude de ideia porque estará com pena de um cara sem memória.

Milton balançou a cabeça em negação e contrariado, colocou a carta em sua carteira.

— Ah. Aqui está a minha história — falei, entregando a ele também a minha pasta. — Por favor, faça com que ela esteja ao meu alcance assim que eu acordar. Já vai ser assustador o suficiente acordar em hospital sem saber o porquê eu fui parar lá, e ainda não reconhecer rosto algum e não saber que você é meu amigo e minha mãe, a minha mãe, vai ser horrível.

— Aaacho bom eu estar nela! — Ele disse, tentando fazer piada. Meu amigo sempre foi péssimo com piadas. — E taaambém achocho bom vooocê dar um jeiiito de não seee eeesquecer de mimim. — Milton encarou-me com os olhos marejados. — Eeu não sesei viviver sem o memeu memelhor aaaamigo.

Um nó se formou em minha garganta e eu o puxei para um abraço desejando ser capaz de me lembrar dele.

— Não me deixe te esquecer, TonTon. Por favor — pedi, ao soltá-lo.

Já no carro, olhei pela última vez o álbum de fotos do meu celular, havia tantas fotos nele, eu tentei apagá-las, mas perdi a coragem e após olhar demoradamente para a última foto tirada, fechei os olhos e me despedi, entregando o celular ao meu amigo em seguida e passando a senha para ele.

Mamãe estava na recepção do hospital quando chegamos. Seus olhos denunciaram que ela já havia chorado e vê-la tão abatida destruía mais um pedaço do meu coração.

— Minha pequena mãe... — falei, abraçando-a assim que nos vimos. — Por favor, eu não quero que sofra.

— Me desculpa por não conseguir ser forte, meu filho, mas estou com tanto medo de que...

— De que eu não seja mais o seu filho? perguntei, interrompendo-a.

Mamãe balançou a cabeça em afirmativo.

— Mãe, eu não tenho dúvidas de que o novo Cristiano vai amá-la assim como eu a amo. Eu a amaria em qualquer encarnação e a escolheria para ser a minha mãe em todas elas.

Eu a apertei em meus braços e beijei a sua bochecha, inalando pela última vez, o seu perfume suave que me remetia à minha infância.

Pouco tempo depois, doutor Augusto veio ao nosso encontro dizendo que já estava na hora de eu me preparar, que o seu colega, um outro médico cirurgião que iria acompanhar a cirurgia também, já estava nos esperando.

— Talvez esse cara que vai voltar da cirurgianão seja tão legal quanto eu, mas tenha paciência com ele, mamãe — brinquei,dando nela mais um beijo. — E quanto a você — falei, olhando para o meu melhoramigo —, tem total autorização para dar umas porradas no outro Cristiano casoele não seja um cara legal — completei, olhando para eles pela última vez.

Todas as lembranças que não posso esquecerWhere stories live. Discover now