Nove

10 4 0
                                    

"Eu sempre lembrarei
Era fim de tarde
Durou pra sempre
E terminou tão rápido
Você estava completamente sozinho
Encarando um céu cinza escuro
Eu estava mudada".

Cry (A Walk a remember) Mandy Moore

Treze de Agosto de 2016.

Sétimo dia após a notícia.

Estávamos quase fechando o café quando o mesmo garotinho do pão de queijo do outro dia, entrou. Naquele dia em particular, tínhamos que fechar mais cedo por causa da festa de quinze anos da Maíra, irmã da Priscila.

— Tio? — Ele me chamou. Eu estava verificando a temperatura do freezer onde ficavam as bebidas. — Tem alguma coisa que eu possa ajudar em troca de um salgado?

— Você está com fome? — Verônica perguntou. — Ela estava vindo da cozinha quando ele entrou no café.

O garoto balançou a cabeça em afirmativo.

Olhei para a Verônica e a incentivei com a cabeça, ela entendeu o meu gesto e falou para o garoto se sentar em uma das mesas.

— Você gosta de torta de frango? Ou prefere um sanduíche? — Verônica perguntou.

— Eu acho que prefiro o sanduíche... — ele falou, olhando para o chão. — Nunca comi torta de frango para saber se eu gosto.

Senti o meu coração se apertar com as palavras daquele garoto. Onde estava a mãe dele? O que ele fazia sozinho pelas ruas?

— Você quer comer os dois? — Perguntei, pegando do freezer uma lata de suco e colocando na mesa para ele.

— Eu posso? Eu não tenho dinheiro.

— Sim. — Verônica, respondeu, trazendo o sanduíche em um prato e a torta em outro. — Você pode e é por conta da casa.

Encostamos os dois no balcão, um ao lado do outro e observamos o garoto comer como se não se alimentasse direito há dias. Eu sabia que aquilo estava mexendo com a Verônica pela a forma como ela olhava para o garoto.

— Qual é o seu nome? — Ela perguntou, após ele acabar de comer a torta.

— Miguel.

— Miguel... — Verônica repetiu. — Nome de anjo.

— Anjo? — Ele perguntou, sugando o suco através do canudo, fazendo barulho com a boca. — O que é um anjo.

Verônica me olhou de um jeito surpreso e triste ao mesmo tempo e caminhou até a mesa. Eu a segui.

— Anjo são seres que não vemos, enviados por Deus, para nos proteger. São seres especiais. — Ela explicou. Seus olhos estavam marejados de lágrimas e ela estava visivelmente emocionada. — E Miguel era o anjo guerreiro e protetor, um dos principais anjos de Deus.

— Minha mãe já falou de Deus para mim — o garoto disse, com a boca cheia —, ela disse que ele nos abandonou — completou, com uma certa pureza e ingenuidade na voz, — mas ela nunca falou desse tal de anjo, acho que foi ele então que me protegeu quando o Carlos bateu em mim.

— Quem é Carlos? Ele te bate sempre? — Verônica questionou sem tirar os olhos do garoto, com tom de preocupação.

— Era o namorado da minha mãe. — Ele respondeu, terminando com o seu suco. — Ele preso, agora não bate mais nem nela e nem em mim.

— Miguel? — Verônica o chamou. — Deus nunca abandona a gente, sua mãe deve ter dito aquilo porque estava triste, mas Ele nunca nos abandona...

Ele fez que entendeu com a cabeça e se levantou.

— Eu preciso ir. — O garoto disse. — Obrigada pelo lanche e pela torta, estava maneiro.

Todas as lembranças que não posso esquecerWhere stories live. Discover now