"Não tem medo, não
A gente fica longe
A gente até se esconde
E volta a namorar depois".

Quando bate aquela saudade - Rubel

Você precisa sair desse quarto e ir comer alguma coisa mamãe reclamou, parada na porta.

Eu já vou resmunguei, sem nem olhar para ela. Eu já estava escrevendo há mais de duas horas e não tinha a intenção de parar.

Verônica mandou uma mensagem para mim, ela pediu para eu não te contar, mas ela queria saber como você estava.

Imediatamente, virei-me para ela.

— E o que você respondeu? Ela sabe sobre ontem?

— Não. — Ela deu de ombros. — Ela sabe que está em casa, mas acha que é por causa da separação. E eu disse que você estava bem, na medida do possível.

Eu agradeci e me virei para o notebook novamente.

Percebendo que eu não ia me levantar da minha antiga escrivaninha, mamãe desistiu, fechando a porta atrás dela e me deixando sozinho com os meus pensamentos.

Dizem que é coisa do ser humano dar valor somente após perder alguma coisa.

Eu estava vivenciando aquilo na pele.

Eu queria me separar porque achava que seria mais justo com a Verônica, mas muito antes do acidente e da bagunça que a minha vida tinha virado, eu já estava perdendo a minha esposa. Eu a havia negligenciado sem perceber. Havia permitido que a rotina, muitas vezes inevitável, consumisse o nosso casamento. Havia parado de elogiá-la, não porque não a achava mais atraente, mas pura e simplesmente por acreditar que ela já tinha certeza daquilo. Eu não me dei conta de como um gesto, que para mim parecia ser desnecessário, era tão importante para ela. Da mesma forma em que parei de beijá-la e nem sabia explicar o porquê. Talvez, fosse pela maldita rotina.

Sim, a rotina pode ser como um câncer em um casamento. Chega sem avisar, se instala, começa a dar os seus primeiros sinais de presença fazendo com que o casal não se comunique mais, depois, os sintomas aparecem em forma de irritação e falta de paciência, quando um dos dois, ou os dois, já não se interessam tanto assim pelo que o outro tem a dizer e aí, quando se dão conta, ele já está espalhado, tomando, sugando para si, tudo o que de bom aquele casal viveu, a primeira troca de olhar passa a ser apenas uma lembrança borrada do passado, o primeiro beijo parece nem ter mais importância e a primeira declaração de amor, passa a ser careta e ridícula.

Refletindo sobre o meu relacionamento, os meus seis anos de casamento, percebi que eu era casado com a mulher dos meus sonhos e só não conseguia entender, porque deixei que o câncer se instalasse, nos levando até o ponto em que estávamos: Separados!

Eu sorri para o nada quando a lembrança do nosso primeiro beijo me veio à mente, foi como se eu estivesse lá, vivendo aquele momento novamente, foi tão real, que me vi desesperado para transcrevê-la em meu computador.

— Mas se você mora no sétimo andar, porque estamos subindo para o vigésimo segundo? — Verônica perguntou, após me ver apertando o botão do andar.

Verônica nunca mais tocou no assunto. Foi como se não tivesse acontecido. Pelo menos por fora, mas eu sabia que por dentro, aquilo ainda a corroía. Eu respeitei a sua decisão de não falar a respeito, mesmo com algumas perguntas se debatendo em minha mente, eu queria entender qual era a relação dela com o tal Eduardo e sobre a mãe dela trabalhar para ele, queria saber mais sobre a vida dela porque a verdade é que mesmo estando sempre com a Verônica, eu pouco sabia sobre ela.

Todas as lembranças que não posso esquecerOnde as histórias ganham vida. Descobre agora