Seis

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"A vida não é o que a gente viveu, e sim o que se lembra e como se lembra para contá-lo".

Gabriel Garcia Márquez

Dez de Agosto de 2016.

Quarto dia após a notícia

— Vai sair a essa hora? — Verônica perguntou, quando me viu pegando o capacete da minha moto. Seu tom de voz não era o dos melhores, lembrei-me da conversa dela com a Pri sobre ela achar que eu tinha outra pessoa, que eu havia escutado no outro dia. Eu sei que eu não deveria deixá-la pensando aquilo, mas na noite anterior, enquanto ela já dormia e eu esperava o sono chegar, me ocorreu que talvez seria mais fácil pedir a separação se ela realmente acreditasse no que havia dito à nossa funcionária. Seria doloroso no começo, mas seria para o bem dela.

— Sim — respondi, sem dar brecha para mais perguntas. Eu ia começar a bateria dos exames para a cirurgia, mas eu não queria ter que inventar ou mentir mais, queria apenas que ela pensasse o que quisesse. Um pensamento egoísta, eu sei, mas deixar que a imaginação dela fizesse as suas próprias conclusões diminuía o meu sentimento de culpa. Afinal, eu não havia dito nada, apenas que iria sair, certo?

Verônica ficou na porta do café enquanto eu montava em minha moto, um cara de terno preto e cabelos ao estilo arrumado pela mamãe parou e perguntou algo a ela, que acenou com a cabeça e provavelmente o convidou para entrar, porque ela se virou e ele foi logo atrás, e eu o flagrei conferindo a bunda da minha esposa, o que me deu vontade de arremessar o capacete nele, mas repeti a mim mesmo que eu não me lembraria mais dela em menos de oito dias, não me recordaria mais dos nossos momentos e nem que éramos casados. Então, fiz o que tinha que ser feito: dei partida na moto e deixei que a mistura do vento com velocidade levasse embora aquela sensação estranha que estava começando a se alojar em meu peito.

— Precisa mesmo encher esses dois tubos com o meu sangue? — perguntei para a enfermeira, que parecia uma vampira sanguessuga.

Se Verônica visse a minha cara de pavor, certamente ela iria tirar sarro de mim e do meu medo infantil de agulhas.

Pensar em agulhas me fez lembrar de uma passagem que aconteceu comigo quando ainda era criança, e fiz uma nota mental para escrever a respeito mais tarde.

— Sim, Sr. Cristiano, precisamos encher os dois para que o laboratório possa fazer todos os exames que o doutor solicitou.

Bufei, derrotado. Pelo menos ela já havia enchido um.

— E são tantos assim? — insisti. Ela provavelmente me achou o cara mais chato do mundo, mas é porque ela desconhecia o meu medo de tirar sangue.

— Sim — respondeu, enchendo o segundo tubo. — Pronto — avisou. — Agora vamos fazer o Coagulograma.

— Coagulograma? — perguntei, repetindo o que ela havia acabado de dizer. — O que é? — perguntei novamente. Eu não fazia ideia do que era, mas o nome era feio o suficiente para me fazer querer desistir de tudo.

A enfermeira pediu que eu a acompanhasse e, sem fazer mais nenhuma pergunta — mesmo querendo fazer várias —, eu a segui em silêncio. Entramos em uma sala que mais parecia um centro cirúrgico, e meu estômago congelou imediatamente. Em poucos dias, eu estaria de fato dentro de um.

Ela indicou a maca e eu me deitei nela. Segundos depois, a mulher esticou o meu braço, que ainda não havia sido picado, e antes de que eu protestasse ela já o estava furando. Foram mais dois tubos de sangue que, segundo ela, serviriam para analisar o tempo e nível de coagulação do meu sangue, entre outros exames.

Todas as lembranças que não posso esquecerWhere stories live. Discover now