Capítulo 7

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            Parado ao lado do Malibu, Collins, o gigante com terno preto, não causou medo aos três homens armados. Ao menos a princípio.

            — Me entreguem o garoto.

            A voz grossa do brutamontes ganhou a atenção dos foras da lei e o sotaque denunciou que ele era um estrangeiro.

            — Aí, tiozão. Quem é que tu está achando que é, pra chegar na minha área e exigir alguma coisa, maluco – falou o que, aparentemente, comandava.

            — O garoto. Eu quero o garoto – insistiu Collins.

            — Sai fora, tiozão. Do contrário, vou fazer você chupar bala de chumbo – disse o meliante mostrando sua pistola, enquanto os outros dois fizeram o mesmo.

            Collins abaixou-se para dentro do Chevrolet e os traficantes acreditaram que o grandalhão havia entendido o recado. Se enganaram. O grandalhão retornou pra fora e mostrou a sua arma. Um fuzil HK 416, calibre 5,56, de 45 mm. Os meliantes tiveram tempo apenas para arregalarem os olhos.

            Collins mirou.

            E os três marginais saltaram para trás do Toyota Corolla, enquanto Daniel se jogava ao chão na direção do Malibu.

            O agente abriu fogo.

            O barulho do fuzil foi ensurdecedor. A rajada perfurou todo o Toyota, estourou pneus e arrebentou os vidros. Quando cessaram os tiros, os bandidos aproveitaram para correr dali em direção ao interior da favela. Collins disparou mais outra rajada fazendo do Corolla uma verdadeira peneira. Em seguida, procurou Daniel, e viu o garoto já do outro lado da autoestrada. Ele havia pulado o alambrado que separava as duas mãos da via, e o Malibu não podia passar por ali, havia uma mureta de proteção também. Logo, o agente localizou uma passagem alguns metros à frente.

            Entrou no Chevrolet e acelerou.

            Dobrou a direita ao chegar na passagem, subindo o canteiro e saindo do outro lado da pista. Novamente na contramão. Por sorte, naquele sentido da via não transitavam veículos e ele seguiu acelerando pela marginal.

            Daniel alcançou o Complexo Esportivo da Rocinha. Pensou em subir as escadas, mas na portaria havia um vigia. Ele não queria perder tempo se explicando. Correu em direção a parede da área esportiva e saltou alcançando o topo com a ponta dos dedos. Então subiu. Em cima, havia um pequeno jardim com uma placa que trazia o nome do local. Escondeu-se entre a placa e a parede. Collins não o viu quando passou por ele.

            Mais a frente, o agente quase bateu em um carro que fez a conversão vindo da Avenida Niemeyer. Desviou quando o outro buzinou. Dobrou a esquerda ao chegar na avenida e foi devagar, em direção ao mar, tentando localizar o garoto enquanto desviava dos carros que vinham no sentido correto.

            Daniel não parava de pensar em seu pai.

            Will Baker sempre lhe dizia que a melhor maneira de se esconder de alguém, era saber onde esse alguém estava.

            Decidiu, então, ir atrás do Chevrolet.

            Não era mais o agente da NSA que o perseguiria. A partir de agora, ele é quem seria o perseguidor.

            Deixou seu esconderijo e escalou por um cano até o teto do complexo esportivo. Correu sobre o lugar, uns quinze metros acima da rua, na mesma direção do carro preto. Saltou no telhado do prédio seguinte e depois no outro, e no outro.

            Collins seguia na contramão pela Avenida Niemeyer. Aquela via contornava o Morro dos Dois Irmãos. Esse morro, ao menos do lado do São Conrado, não estava tomado por casas e, por isso, ainda tinha preservada sua mata nativa. Porém, a vegetação densa e o solo íngreme, impediram que Daniel continuasse por ali, quando ele chegou ao último dos prédios.

            Enquanto o agente andava desviando dos carros que vinham buzinando em sua direção, o garoto desceu do prédio e seguiu pela calçada, escondendo-se atrás de automóveis estacionados, paredes e qualquer outro nicho que encontrasse.

            Era questão de tempo até a polícia aparecer e se deparar com aquele veículo na contramão. E não tardou.

            A rajada disparada por Collins, minutos antes, havia alertado os moradores. A proximidade com a entrada do Túnel Zuzu Angel, fez com que vários policiais fossem encaminhados para o local. Quando o agente chegava próximo à orla, três viaturas viraram a esquina parando frente a frente com o Chevrolet.

            Os policiais desceram rapidamente e se protegeram atrás das portas, mantendo as armas apontadas para o carro preto. Solicitaram que o motorista mostrasse as mãos, o que ele fez. Um dos policiais foi até o Malibu e confirmou que não haviam outras pessoas no veículo. Quando solicitaria os documentos ao motorista, viu o fuzil no banco do passageiro. Deu um salto para trás e sacou sua arma.

            — Não se mexa – gritou o policial e Collins permaneceu imóvel. — Saia do veículo, devagar – o agente obedeceu.

            Vendo o que ocorria, Daniel soube que, em breve, ficaria livre daquele sujeito grande e motivado a pegá-lo.

            Alguns minutos depois o agente da NSA já estava algemado e foi levado pelos policiais. Daniel, então, pode seguir em frente.

            Rumou até a orla. Seu apartamento ficava vários quarteirões à direita. Todavia, seu destino agora estava a esquerda. Dobrou naquele sentido e acompanhou o morro.

            A via continuava sobre as pedras. Abaixo dela, na direita, o mar arrebentava com força. Alguns carros passavam por ali e não havia calçada, apenas uma mureta que separava a pista do precipício.

            O vento soprava forte. Apertou os braços na frente do corpo para tentar se aquecer e seguiu pelo pequeno muro até chegar onde queria. O Pesqueiro da Avenida Niemeyer.

            O pesqueiro era uma plataforma de pesca que se projetava, por pouquíssimos metros, em direção ao mar. O acesso era possível por meio de uma escada que descia paralela a via. O local havia sido construído há mais de cem anos. Os arcos que sustentavam a pista acima do local, feitos com pedras e em estilo romano, denunciavam sua idade. No passado, foi muito frequentado. Mas após a construção da avenida, ficou tão escondido que muitas pessoas que trafegavam por ali não tinham ideia da sua existência.

            No vão da entrada as rajadas de vento que passavam por ali produziam um assobio alto e davam um ar fantasmagórico ao lugar.

            Will Baker já o havia levado ao pesqueiro algumas vezes. Nessas oportunidades, sempre dizia que se ele um dia precisasse se esconder, aquele era um ótimo esconderijo. Nunca entendera porque seu pai lhe dizia aquilo, mas agora, tudo fazia sentido.

            Daniel entrou no recinto que se parecia com um grande tubo. Estava sujo e escuro. Cansado, não se importou.

            Foi até o fundo e sentou-se junto à parede. A temperatura ali dentro era agradável. Ele precisava descansar.

            Levou a mão no bolso da calça e retirou a chave.

            Só conseguiu pensar em seu pai.

O Explorador de Mundos - A Esfera de CristalOnde as histórias ganham vida. Descobre agora