Capítulo 43 - Fish and chips

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Amber

Aquela semana na Escócia, como da primeira vez que fomos juntos naquele casamento, tinha servido para colocar os pingos nos i's. Exceto pelo fato de não ter contado sobre o que aconteceu entre Gabriel e eu. Mas será que eu deveria estragar aquele momento de perfeita sintonia com uma situação que tinha ficado no passado? Na dúvida, deixei de contar.
Só me lembrei disso ao entrar no café e reencontrá-lo. Não quero dizer que sua presença me perturbava, mas me lembrava o tempo todo do que eu gostaria de esquecer. Fui beijar logo o cara que vejo todo santo dia. Teria sido melhor se fosse um desconhecido aleatório no pub.
Fiquei surpresa ao ver que Gabriel ainda trabalhava ao sair de meu escritório no fechamento da loja. Tinha passado o dia trancada em minha caverna, fazendo compras e analisando planilhas. Mais surpresa fiquei porque Henry me aguardava, sentado no banco do balcão como se fosse um cliente comum. Boquiaberta, fiquei olhando alternadamente para os dois sem conseguir articular uma palavra.
Gabriel me viu antes de Henry, que estava de costas para mim e eu sorri, encabulada.
- Gabriel, ainda está aí? - comecei a andar para me certificar que não tinha virado uma escultura de gelo.
- Sim. Fica valendo pela ausência daquela semana, chefe. - ele tentou fazer graça, mas a tensão era visível ali. Não tinha clima para descontrair.
Henry virou-se ao ouvir minha voz, com sua xícara de café na mão, pouco se importando com o que Gabriel dizia. Me aproximei e pus a mão em seu ombro, acariciando-o de nervoso, eu não tinha ideia do que estava fazendo. Ele se inclinou para um beijo, sem se sentir intimidado pela presença de Gabriel. O pobre riu constrangido e abaixou a cabeça.
- Você não avisou que viria. - comentei com um sorriso insosso.
- Quis fazer surpresa mesmo. Estava aqui conversando com Gabriel. - Henry respondeu com um tom de autoridade na voz.
- Hmm, com licença. Eu já estou indo. Vou só trocar de roupa. As meninas já fecharam o caixa. - Gabriel falou.
- Tudo bem. Pode deixar, Henry me ajuda a fechar hoje. Obrigada.
Depois dessa situação, resolvi aceitar a sugestão de Diana para fazermos a troca entre Lucca e Gabriel nas lojas. Uma transição sem constrangimentos e com uma justificativa que parecesse mais profissional do que pessoal. Não cabia mais trabalhar com ele, infelizmente. Não tão perto.

***

Em uma noite de sábado, ao invés de passar a noite em casa, como tínhamos o costume de fazer, saímos para jantar. O ponto positivo de ter um namorado caseiro era de não ser julgada por preferir assistir a um filme agarradinho a ir pra uma boate barulhenta. Já foi tempo em que eu curtia um agito.
Aguardamos no bar do restaurante enquanto vagava uma mesa, pois resolvemos tão de última hora, que não deu tempo de fazer reserva.
Eu pensei em fazer uma surpresa usando os brincos que ele me deu em Mykonos. Deixei os cabelos soltos e esperei que ele notasse. O restaurante era aconchegante e diria até que demasiadamente escuro, o que dificultou a exibição do presente, com todo o seu significado.
- Passei pelo café ontem. Esqueci que estaria em reunião. Você tinha me dito. - Henry comentou, quando finalmente conseguimos uma mesa.
- Sim, eu estava. Fechamento do mês com Diana. Por que não me ligou? - perguntei.
- Não quis atrapalhar. Notei que aquele outro rapaz estava lá. - Henry disse, abrindo o guardanapo.
- Lucca? - eu falei.
- Acho que sim. Aquele funcionário mais antigo.
- Sim, ele está trabalhando comigo agora. - eu disse, esperando o comentário que viria em seguida.
- Não que eu lamente, mas o que houve com Gabriel?
- Ele vai treinar mais uma funcionária para nós, antes de sair da Royal Cups. Dessa vez, na matriz, com Diana.
- Ah, é? - questionou, satisfeito com o que ouviu.
- Sim. Ele tem uma distribuidora e veio trabalhar conosco temporariamente, mais por gratidão à Diana.
- Bom para ele e para mim. - sua expressão de contentamento era clara. Franzi o cenho me fingindo desentendida, mas sabia bem ao que ele se referia. Henry aproximou-se do meu ouvido para completar. - Espero que ele seja feliz longe daqui.
- Ok. Podemos parar de falar de trabalho um pouquinho? - sugeri. Por trabalho, entenda-se Gabriel.
Henry então me olhou intrigado.
Jurei que ele pudesse ter percebido meu desconforto ao falar de Gabriel. Seu olhar me observou por mais alguns segundos, tempo suficiente para que eu sentisse meu rosto em chamas e um nó na garganta.
- Você está usando os brincos. - afirmou quase em tom de pergunta.
Ufa! Era isso. Poucas vezes fui incapaz de decifrar seu jeito de olhar. Daquela vez, sua dúvida acabou me deixando confusa e me fez esquecer a surpresa. Aqueles brincos de água marinha em forma de gota eram símbolo de um pedido de compromisso. Ao usá-los novamente, eu quis mostrar que estava disposta a tocar no assunto, reconsiderar, mesmo que ele não tivesse levantado a questão. Eu quis devolvê-lo quando terminamos e fico feliz por Henry ter recusado, e ainda por ter insistido em mim, em nós dois.
- Sim. São os que você me deu, naquele...
- Em Mykonos. - ele pressionou os lábios e ficou quieto.
Passei a mão em seu rosto e a apoiei na nuca para fazê-lo olhar pra mim.
- Escolhi usá-los hoje para dizer que eu quero ficar com você, mesmo que não tenha perguntado.
Ele sorriu, mandando seu autocontrole pras cucuias e me calou com um beijinho.
- Posso renovar o convite? - perguntou.
- Pode e a resposta é sim.
Dessa vez, fui eu que o enchi de beijos.
- Mas e aquela história de ir com calma? - brinquei.
- Esquece! Eu quero que você venha morar comigo hoje!
- Não é bem assim. Se concentre no seu retorno às filmagens da 2ª temporada, que eu me organizo por aqui. Quando você retoma as gravações?
- Na próxima semana. - ele respondeu.
- Então, teremos tempo para fazer tudo no seu tempo.
Tenho certeza de que a minúscula vela no centro da mesa não era responsável por aquele brilho nos olhos. Aquela alegria vinha de dentro e o sorriso no rosto se tornou constante pelo resto da noite. Toda vez que ele lembrava que íamos juntar nossas escovas de dente, me dava um beijo, sem muita explicação. A noite ficou mais doce que a pavlova que compartilhamos na sobremesa.

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