Capítulo 55. Necrotério

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Ele me enviou um olhar que praticamente tirou todas as camadas entre o mundo e a minha essência.

– Você acha que é a sua última?

– Eu não sei... – Mas eu sabia o que estava disposta a fazer.

Kadi se aproximou e suas mãos hesitaram a caminho do meu rosto, como se, ainda que tanto quisesse, me tocar o matasse.

– Você ainda tem muito em si para lutar...

E ele... Não?

– Dessa vez terminará diferente. – Tinha de ser.

– O que faria ser? – Ele sussurrou, trêmulo. – O que os impediria de nos esmagar como sempre fizeram? O que impediria o caos de nos engolir?

Meus punhos se cerraram com força, segurando entre os dedos uma determinação que não podia escapar.

– Nós não somos mais os mesmos. – Eu sabia que ele conseguia sentir o quanto nossos pilares tinham sido destruídos e cicatrizados em armas afiadas; e o quanto estávamos dispostos a usá-las. – Nós somos o caos agora...

E o universo inteiro iria nos temer.

Ou morreria no erro de nos subestimar mais uma vez.

Korrok bateu na parede para avisar sua chegada e eu o deixei para falar com Kadi, saindo com os meus pensamentos. Voltei para a outra área da nave e, quando Lupan sentiu o cheiro da minha angústia, perguntou:

– Ele finalmente a contou sobre sua morte?

Me voltei para o canouro tão rápido que ouvi meu pescoço estalar.

– O que?!

– Pelo visto não...

– Como assim morte? O segredo que ele me revelou era que ia voltar para o passado... Para a sua família. – Não consegui não pensar na Terra que Kadi conhecia, de antes do Império... Como será que era viver nela? Como era a vida dele lá? Como eram as suas bochechinhas quando era criança, a risada dos seus irmãos quando implicavam, o rosto da sua mãe quando os repreendiam? O quanto ele realmente era parecido com o pai? E será que aquele passado que ele me tinha feito acreditar sonhar recuperar, era inalcançável?

O canouro me farejou, provavelmente se perguntando se deveria contar mais, mas o passo que dei na sua direção não o deixou dúvidas de que deveria:

– Você realmente acha que, se tivéssemos como voltar no tempo, não usaríamos isso nessa guerra?

Realmente não fazia sentido... Mas eu tinha acreditado naquela mentira porque era melhor do que a verdade que ele escondia, uma que, no fundo, eu sempre soube, mas que nunca tive a coragem de aceitar.

Tentei conter o tremor nos meus lábios quando perguntei:

– O que você quis dizer com morte?

Lupan suspirou profundamente.

– O passado que ele quer viver é uma alucinação, Donecea... E ele sabe que não é real. – O canouro revelou, suas palavras como pedras afundando em mim. – Mas algo me diz que ele não queria que você soubesse que não é real; que queria que acreditasse no que a contou... Porque talvez ele quisesse acreditar nisso também.

Então Kadi não estava voltando para ajudar aqueles que tinham sido quebrados, já que suas peças há muito tinham se perdido, mas para ver seus fragmentos unidos pelo menos mais uma vez...

– Mas, se é só uma alucinação, por que sua partida seria tão definitiva? Por que ele não poderia voltar? – Para mim...

E então Lupan me revelou a verdade:

Endossimbiose | Versão Em PortuguêsWhere stories live. Discover now