Capítulo 29. Luto

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Depois de perdê-la tantas vezes, eu não conseguia acreditar que nunca a veria de novo. Era quase como se ela pudesse irromper a qualquer momento pela porta do quarto em que eu me escondia, apenas para me chamar para um de nossos almoços especiais de domingo... O nosso último foi há muito tempo, antes da cura e do Oásis, mas, no fundo, eu sempre acabara me preparando para o próximo, porque nunca conseguira acreditar de que não haveria outro... Até agora.

E tudo tinha sido culpa dos Áulicos.

Talvez eu devesse deixar aquela doença consumir o Império deles... Mas eu não conseguia; não quando havia ainda tanto que valia a pena salvar. E eu já não sabia se havia muito mais de mim além daquele propósito para concretizar.

Eu só precisava não desistir um pouco mais.

Quando o primeiro raio de luz do dia seguinte atingiu meu rosto, eu já estava há muito acordada. Será se eu tinha mesmo dormido? As memórias se misturaram com os sonhos, e, nem com os olhos fechados eu consegui escapar daquelas joias de mel no seu rosto, vazias, caladas, partidas...

Juntei meus cacos e me levantei devagar. No canto da cama me esperava um vestido branco opalescente feito com um tecido tão leve quanto nuvens que deixe escorrer sobre meu corpo e cair em uma cauda de neblina. Pelo visto o metriona tinha feito um esforço de me encontrar naquele palácio gigantesco; o que me dizia que ele ainda não tinha desistido de conseguir o que queria de mim.

Caminhei perdida pelos corredores dourados, que pareciam ter sido lapidados de um asteroide de aurium puro caído nesse mundo há muitos milênios, até que um cheiro adocicado atingiu minhas narinas e eu soube para onde deveria ir. Caminhei até os arcos entalhados de uma abertura para um terraço e observei a paisagem à frente, tão espetacular que perdi o fôlego. O palácio estava no alto de uma encosta, diante de toda a imensidão intocada de seu mundo. Morros cobertos de árvores azuladas se estendiam como ondas paralisadas no horizonte, enevoadas pela neblina que, em rios brancos, lavavam a manhã. O mundo era imperdoavelmente infinito; e sua vastidão me intrigava. Era como se, por mais que eu passasse séculos tentando conhecer cada ponto dessa galáxia e os desenhasse em um mapa, sempre haveria terras que permaneceriam desconhecidas para além das bordas limitadas do papel. E, mesmo que eu conhecesse a todos, nenhuma fotografia, pintura ou memória jamais seria capaz de eternizar seu esplendor, porque o horizonte era o único que conseguia perpetuá-lo em si mesmo.

Como um universo com tanta beleza podia ter tanta crueldade?

– Descansada mais uma vez? – O metriona me cumprimentou, sentado no terraço e tomando goles de uma espécie de chá cujo cheiro me atraíra.

Ele apontou para uma cadeira ao seu lado e eu me sentei nela, recebendo um copo onde ele despejou um pouco do chá. Cheirei a bebida cítrica rosada, seu aroma tão delicioso que, por um momento, eu cogitei tomá-la... Mas, ainda que os metrionas tivessem nos resgatado, eu não confiava neles o suficiente.

– Você tem um nome?

– Saber um nome só faz sentido se planeja usá-lo de novo... – O metriona observou. – Está perguntando o meu porquê planeja nos ajudar?

– Para humanos nomes são como conhecemos uns aos outros... E como confiamos nos outros, por ter uma parte sua em nossas bocas para usar como quisermos. Se quiser minha confiança, talvez possamos começar com um nome.

O metriona me considerou em silêncio.

– Metrionas não os tem. – Ele revelou. – Se dados por outros, eles são carregados de expectativas. E, mesmo que dados por si, são mínimos demais para conter tudo que é um indivíduo. – O metriona explicou. – Então nos referimos por nossas funções e por aquilo que representamos, ainda que possamos ser substituídos nos papeis que executamos.

Endossimbiose | Versão Em PortuguêsWhere stories live. Discover now