Capítulo 30. Subcutâneo

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Parte 4
Microbioma

Terceiro círculo do Império
Venerna

Quando ouvi a voz de Doxy me chamando, meus olhos se abriram para a luz dos sóis daquele mundo. Pisquei para sua silhueta, vestida com um tecido tão puro e branco como se ela fosse um anjo... Mas, quando ela se inclinou na minha direção e eu vi o sangue em seus olhos, percebi que, se ela fosse um anjo, tinha há muito caído dos céus e se erguia das chamas abaixo para me recrutar para a morte.

- Mudança de planos. - Ela ronronou. - Vou ajudar a revolução.

Quase caí para fora da cama em que eu tinha passado aquela noite e puxei as cobertas para cobrir meu corpo semidespido.

- Achei que não gostasse de guerras...

- Eles me deram motivos suficientes para aceitá-la.

Eu quase conseguia ver as rachaduras da sua alma por trás daquela fachada determinada. E, por mais que eu tentasse, não fui capaz de escapar da coincidência entre aquela mudança e a descoberta que fizera no dia anterior sobre a morte de sua mãe. Fiquei em silêncio até criar coragem para perguntar:

- Isso é por causa da... Sua mãe?

- Talvez. - Doxy murmurou das profundezas de suas feridas abertas. - E talvez porque a doença é uma ferramenta. Para converter os soldados do Áulicos para a rebelião. Para lutar contra aqueles que mataram minha mãe. - Aquilo explicava como os rebeldes começaram a crescer tanto desde que se uniram aos pacifistas. - Então eu não tenho mais uma razão para curar a Via Láctea.

Mas não era assim que ela deveria se juntar à causa que me comprara.

- Tem certeza de que é isso que você quer? A revolução é perigosa...

Ela me enviou um olhar tão afiado quanto a lâmina de navalha.

- Eu também sou. - Doxy ronronou e eu não consegui conter a minha risada. - Você não acha que eu também sou perigosa?

Abri a boca para responder, mas então os passos dela na minha direção arrancaram as palavras da minha garganta. Observei-a pairar sobre mim e me empurrar contra a cama, os dedos prendendo minhas mãos contra o colchão e seu corpo subindo sobre o meu, porque ela não ia me deixar roubar o vestígio de poder que ainda tinha depois que o universo tomara todo o resto.

- Você não faz ideia do que eu poderia fazer com você... - Ela ronronou, as cobertas no caminho não a deixando me tocar além dos braços, e eu não sabia se deveria estar com medo ou querer suas ameaças.

- Não me deixe morrer de curiosidade...

O sorriso que ela abriu era capaz de me devorar.

- Isso é parte da tortura.

- Doxy... - Suspirei, tentando ser racional quando suas ações turvavam a minha mente. Eu sabia que aquilo não era sobre mim, por mais que eu quisesse; eu não valia a pena seu esforço de provar nada. - Você poderia ser a pessoa mais perigosa do mundo, mas ainda assim se juntar à revolução não seria uma boa ideia...

- Não era isso que você queria? Lutar por uma causa mais "sólida"?!

Eu conseguia sentir sua dor em cada palavra, cheia de uma raiva que precisava deixar explodir para fora e não destruir o que remanescia dentro. Antes que Doxy pudesse dizer mais qualquer coisa, eu joguei meu peso sobre ela e a prendi nas cobertas. Doxy fez menção de se desvencilhar, mas, quando viu o que estava nos meus olhos, ela se deixou perder no que eu estava tentando dizer em silêncio. Ela viu que eu não queria esmagar seu poder como todos os que vieram antes, mas que ela não se deixasse destruir na busca dele. Deixei meus dedos tocarem sua face com delicadeza e ela fechou os olhos devagar, como se um toque tão suave doesse por ter demorado tanto para ter; como se veludo a chocasse por não ser espinho.

Endossimbiose | Versão Em PortuguêsWhere stories live. Discover now