Capítulo 7. Proteassoma

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Sexto círculo do Império
O aterro

Ela não era o tipo de pessoa que desistia fácil; e, no momento, eu era a ponte mais curta entre ela e seu objetivo. Mas aquilo não ia durar. Assim que ela desse seu primeiro passo dentro da minha nave e encarasse a minha natureza, ia implorar que eu a abandonasse ali mesmo, no meio do vácuo do espaço. Mas eu faria, pelo menos, a cortesia de deixá-la no mundo mais próximo. Ela não toleraria a bagunça da minha vida; minhas roupas pelo chão seriam urticária e meus segredos na gaveta seriam veneno.

Ela não era o tipo de pessoa que merecia me suportar... Porque ninguém era.

– Você sabe para onde a levaram? – Ela perguntou, quebrando o ciclo dos meus pensamentos. Confirmei.

– Para um aterro. Que, de acordo com o mapa... – Apontei para o desenho na parede do ônibus. – É na próxima parada.

Seus olhos vagaram pelo escuro atrás das janelas, cheios de perguntas. Me perdi um pouco nas curvas suaves de suas feições, no brilho dourado de suas írises cor de mel e nos tons de seus lábios avermelhando-se conforme ela os mordia perdida em pensamentos. Seu rosto era tão distinto do meu, tão delicado, que eu simplesmente não conseguia parar de encarar, assim como se observa incessantemente uma ilusão de ótica, na inútil tentativa de entender como algo tão desafiador pode existir.

Quando ela se voltou para mim, seus olhos continuavam cheios de perguntas. Pelo visto ela não tinha encontrado as respostas do lado de fora.

– Aterro? Por que eles descartariam uma nave inteira?

Porque qualquer coisa que pertencesse a um criminoso podia ter segredos fáceis demais de se recuperar caso suas partes não fossem totalmente destruídas. Mas eu apenas dei de ombros.

– O tesouro de um homem é o lixo de outro.

– Mas e se dentro dela você guardasse um tesouro que fosse precioso para todos?

– Então que eles continuem achando que seja lixo. – Sorri. – Os melhores tesouros estão enterrados, afinal.

Ela sorriu e prendeu a língua nos dentes por um momento, tentando contê-la. Mas então ela escapou:

– Você já fez isso antes. – Não era uma pergunta.

– Não é a minha primeira missão de resgate.

– E você gosta disso. – Ergui uma sobrancelha. Pelo visto ela também fazia suposições sobre pessoas que mal conhecia.

– Por que eu gostaria de ter de lutar por coisas que já eram minhas?

Ela sorriu, como se fosse óbvio.

– É assim que elas viram tesouros.

Evitei seu olhar, para que ela não visse meu sorriso. A iátrica me observava como se eu fosse decifrável; e eu não gostava do quão fácil era para ela.

– Qual é o seu então? – Voltei. Ela refletiu por um instante, tentando descobrir se eu era confiável o suficiente; mas eu já tinha tesouros demais pelos quais lutar para querer os dela.

– Eu não tenho um. Tesouros não valem nada se nas mãos daqueles que não os merecem. – Uma seriedade disciplinada tomou sua voz, como se ela recitasse um discurso que nunca tinha se deixado desaprender. – Eu me faço merecedora antes. E, eventualmente, eu terei algo que me mereça.

– Soa mais difícil do que cavar um baú.

– O que um baú contém não me satisfaz.

– E o que a satisfaz? – Ela me conduziu para a armadilha do seu sorriso. E sua resposta foi como ambrosia para um mortal:

Endossimbiose | Versão Em PortuguêsWhere stories live. Discover now