Capítulo 50. R.E.M.

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Quinto círculo do Império
Terra

Eu nunca quis falar do meu destino em voz alta, como se, caso o fizesse, o universo decidisse desistir dos meus pedidos. Mas agora que eu não mais via aquela porta como a minha única saída para a felicidade, me senti corajoso o suficiente para desafiar tudo e tirar de Doxy aquela dor que por tanto tempo causei.

– Eu nasci 7 anos antes da chegada do Império na Terra... Quando os piores monstros que eu conhecia eram humanos, o lugar mais distante que eu podia ir estava na ponta oposta da circunferência do mundo, e o paraíso já estava lá, ao meu redor, ainda que naquela época eu não conseguisse ver...

– Mas... – Ela me encarava de cima a baixo, procurando por algo que nunca tivesse percebido, mas que sempre estivera ali. – Você deveria estar morto...

Eu sabia bem disso.

– Pelo visto o universo tinha outros planos para mim. – Dei de ombros.

– Então... Você tem 720 anos? – Doxy recuou, como se eu não fosse mais humano.

– Não. Eu ainda tenho a mesma idade de antes, porque pulei a maioria desses 700.

– Mas... – A confusão no rosto dela era palpável. – Como?

Suspirei fundo... E então a revelei todo o meu passado.

Meu pai morreu quando eu tinha a mesma idade que tenho hoje, há uns 700 anos. No momento que vi o projétil atravessar sua cabeça, soltei um rugido que, pelo comunicador do capacete do meu pai, alertou ao Império e seus soldados de que eu estava ali, uma testemunha para sua brutalidade.

E, em um piscar de olhos eles estavam avançando para a Hasta.

Liguei os motores e disparei para os céus o mais rápido que minha nave conseguia, mas não o suficiente para que o Império me perdesse de vista. Os guardas me seguiram pelo vazio do espaço – onde era impossível de se esconder – e ouvi os disparos contra a lataria ao meu redor. Eu precisava achar algum mundo para pousar, mas o poro mais próximo não estava perto o suficiente. Tentei desviar dos disparos, mas a mira daquelas criaturas era boa demais, então um dos seus projéteis fez a Hasta rugir, me implorando que pousasse antes que fosse tarde demais.

Avancei para o primeiro mundo que vi, sem me importar o que havia na sua superfície e perfurei a atmosfera como uma estrela cadente, o Império na minha nuca, cravando a faca e torcendo. Da janela eu consegui ver a fumaça que escapava da Hasta se misturando ao ar, pintando-o de negro como sangue na água, e o disparo seguinte fez a descida se tornar uma queda. Tudo estava falhando e o chão se aproximava com violência, enquanto a Hasta naufragava ao meu redor...

Mas eu ainda podia nadar.

Passei as mãos pelo painel em um breve instante, me despedindo de tudo que meu pai um dia construíra, aquela vida que se montara ao meu redor e que já não mais era suficiente para me sustentar.

– Eu vou voltar por você...

Pela Hasta. Pela minha família. Pela minha vida.

Então apertei um botão.

E a Hasta explodiu.

A bola de fogo tomou os céus daquele mundo. Os guardas rondaram os destroços da explosão no solo por alguns minutos, mas não encontraram nada que tivesse vida para que pudessem matar e decolaram de volta para o espaço.

Aquele botão também tinha me ejetado da Hasta com um paraquedas espelhado que me camuflou nos céus. Lentamente descendi para a superfície do planeta e, quando meus pés tocaram o chão mais uma vez, me deixei cair sobre a areia macia, as costas no chão, os olhos no céu infinito. Passei uma eternidade ali, ouvindo os batimentos do meu coração, o crepitar da Hasta em chamas e os cantos da floresta além do meu capacete.

Endossimbiose | Versão Em PortuguêsWhere stories live. Discover now