Capítulo 25. Células

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Quinto círculo do Império
Terra

Eu me lembrava muito bem.

Um dia, quando cheguei em casa sobre os restos de meus pés, minha mãe estava em um frenesi tão intenso que nem parou para começar a falar sobre o quanto o universo era perigoso por causa da doença e daqueles que a odiavam por buscar sua cura; e o quanto eu deveria me esconder ali com ela.

A sala estava uma bagunça, cheia de papeis espalhados, frascos com de líquidos que eu não conhecia e zumbidos de máquinas processando substâncias. Eu já estava acostumada a encontrar sinais de pesquisa, mas, dessa vez, o ambiente cheirava a descoberta.

– Boas notícias? – Perguntei, jogando meus sapatos para longe.

Esperei que ela me enviasse uma careta como sempre fazia, mas minha mãe estava sorridente. Seus dedos tremiam de euforia ao redor de um frasco, balançando um líquido que, senão por sua animação, eu teria jurado que fosse água. Talvez fosse... E ela só estava com muita sede...

– Eu encontrei... Encontrei a cura! – Ela sussurrou para que as paredes não a ouvissem e então apontou com os olhos para aquela ínfima dose no frasco.

– E isso é suficiente para curar pelo menos uma pessoa?

– É o suficiente para curar toda Ítopis, Doxy. – E, nas suas palavras, eu senti o poder da mulher que eu queria ser, me chamando por aquele nome... Metade Donecea, metade Gaxy, porque uma parte de mim era ela; e a outra era algo que ela queria que fosse ainda melhor. – Se estiver no sangue da pessoa certa.

Que não seria eu, se fosse sua escolha.

Me joguei no sofá e a encarei de canto de olho, colocando a dose em uma agulha e preparando seu braço para recebê-la.

– Essa é uma receita para o corpo produzir uma nova célula... A primeira capaz de destruir essa doença. – Peguei um dos seus estudos espalhados pelo ambiente e olhei os rascunhos que eu não conseguia entender. – Não sei bem o que isso vai causar, mas uma única gota de sangue com essas células pode curar um número incontável de seres...

– Você vai se injetar sem saber? – Me levantei. – Não vai fazer nenhum teste antes?

– Não tenho mais tempo, Doxy... – Ela rosnou, aproximando a ponta da agulha da pele. – Se eu não fizer isso agora, estaremos mortas antes que eu possa tentar de novo.

Eu estava prestes a deixá-la, quando um brilho na janela chamou minha atenção e ela subitamente parou, pânico queimando em seus olhos.

– CORRA!

E eu nem olhei para trás.

Desci o mais rápido que conseguia pelas escadas para o abrigo subterrâneo e fechei a porta às costas depois que minha mãe tinha entrado, carregando uma maleta. Quando ela mandou construí-lo eu disse que se preocupava demais; e ela me disse que preocupação demais nunca era suficiente. Agora que nos escondíamos no subterrâneo com medo dos céus e de tudo além, eu a entendi bem... Ainda que não soubesse o que estava acontecendo.

Me encolhi no chão entre as prateleiras e esperei aquilo que só poderia ser o fim do mundo.

Ela abriu a maleta e então agarrou o meu braço.

– O que está acontecendo?!

– Eles me encontraram... – Ela pegou a agulha. – E não vão descansar até que eu esteja morta. – Quando seus olhos pousaram em mim, eu soube que ela já estava. – Vai ter que ser você.

O que?!

Por um instante, jurei que a atmosfera tivesse perdido todo o ar. Meus olhos caíram no brilho prateado da ponta da agulha e eu me contorci para longe dela quando estava prestes a atravessar a fronteira de minha pele.

Endossimbiose | Versão Em PortuguêsWhere stories live. Discover now