Capítulo 50. R.E.M.

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Assim que recobrei minhas forças parti em busca de alguma cidade, onde alguém pudesse me dizer onde eu estava e me ajudasse a consertar a Hasta. Mas, depois de tantos pores do sol que perdi a conta, percebi que não havia um único traço de civilização naquele mundo. Tudo que existia ao redor era areia, árvores e animais selvagens, me rodeando até o perder de vista e esperando que eu caísse para que pudessem me engolir.

Eu estava verdadeiramente e completamente sozinho.

E, se falhasse em escapar, estaria pelo resto da vida, em uma ilha deserta...

– Sem ninguém para ouvi-lo gritar... – Doxy sussurrou.

E eu queria ser ouvido de novo.

Dediquei cada instante dos meus dias para reconstruir a Hasta o quanto antes, porque eu precisava enviar uma mensagem para algum amigo na Terra que pudesse me resgatar, um grito para alguém que pudesse ouvir. Peguei os cartuchos de energia que recuperei quando me ejetei e os usei para alimentar as ferramentas que sobreviveram ao fogo, iluminando as noites com o brilho do meu trabalho e afastando com os sons das serras as criaturas que me espreitavam do escuro e dos meus pesadelos.

Quando o painel ligou pela primeira vez e eu enfim consegui descobrir em que ponto da galáxia eu estava, já era tarde demais.

A estrela que iluminava minhas manhãs na verdade não era uma estrela... Era um buraco negro, lentificando e arrastando cada minuto nesse mundo em relação aos do resto do Império ao ponto de que, em cada um deles, se passassem incontáveis noxdiems do lado de fora.

Então, quando enfim consegui mandar uma mensagem para fora, já tinham se passado entre a minha vida antiga e a nova os 700 anos que não vivi.

E todos os que eu conhecia estavam mortos.

Minha mãe, meus irmãos, meus amigos, conhecidos, heróis e inimigos... Todos reféns do tempo que não tinha me alcançado. Eu tinha deixado minha família para a miséria, para que morressem sem deixar traço, como se nunca tivessem existido. E, se não fosse pelas minhas memórias, eu teria acreditado naquilo.

Eu só conseguia pensar em uma criatura capaz de sobreviver a uma passagem do tempo como aquela... E então a enviei minhas coordenadas.

Quando as naves brilharam no céu e desceram na praia, eu acreditei em milagres... Mas talvez devesse ter acreditado na revolução.

Os veículos pousaram, levantando a areia em uma nuvem de onde a criatura emergiu, vermelho como morte líquida e com garras afiadas como pura aniquilação, me encarando com aquele sorriso torto e a pergunta na língua que eu custara tanto a aprender:

– Arkadi Phaga... Achei que você e seu pai estivessem mortos... – Eu quase não consegui acreditar que ele ainda se lembrava do meu nome. – Onde está seu pai? Quando ouvi a voz dele na mensagem pensei que fosse piada. – Riu. – Não achei que humanos vivessem tanto.

– Não vivemos. – Murmurei. – A voz na mensagem era a minha.

Korrok me avaliou por uma breve eternidade.

– Pelo visto Phaga não morreu por completo.

E, a partir daquele momento, ele passou a me chamar de Phaga.

– Foi assim que você se juntou à revolução? – Doxy perguntou, me puxando de volta do passado.

– Sim... Naquela época a revolução ainda focava nos coletores, então passei um tempo com eles reconstruindo a Hasta e coletando energia para contribuir com a rebelião, porque não havia nada além disso na minha vida para lutar... – Contei. – Mas, em um dia, eu soube da loja de destinos, onde, ainda que por um preço exorbitante, eu poderia voltar para casa... Minha vida passou a ser dedicada a isso, juntando cada pedra estelar que eu podia e negociando com criaturas muito piores do que aquelas com que meu pai trabalhava, para algum dia poder voltar lá e abrir aquela porta que me levaria ao passado... – Suspirei e engoli em seco. – Em todo aquele caminho eu cometi um milhão de erros, mas um deles me levou a você... Foi o único erro de que nunca me arrependi.

Endossimbiose | Versão Em PortuguêsWhere stories live. Discover now