Capítulo 47. Enterro

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Sua vida estava nas minhas mãos. Mãos cansadas, doloridas, feridas e marcadas; mas que jamais o deixariam morrer, enquanto pudessem lutar por ele.

– O que está fazendo? – Ouvi Lupan perguntar.

– Se o coração dele para, eu o bato por ele... – Sussurrei, ofegante. – É isso que iátricos fazem... É isso que humanos fazem.

1 a 30, respiração, 1 a 30, respiração, 1 a 30, respiração...

Ele não ia morrer nas minhas mãos!

Não tinha como saber quanto sangue ele tinha perdido, e eu não podia dá-lo o meu, porque não sabia se Kadi tinha, em algum momento, se contaminado com aericose. Eu não podia arriscar.

Mantive minhas mãos batendo seu coração, aquele que ele uma vez me disse ser capaz de fazer sua nave explodir se parasse.

Eu não podia parar.

– Donecea... – O sussurro de Deinos me alcançou. – Ele não vai acordar...

1 a 30, respiração, 1 a 30, respiração, 1 a 30, respiração...

– Não está adiantando... – Lupan murmurou, abaixo do som das gotas do meu suor pingando.

1 a 30, respiração, 1 a 30, respiração, 1 a 30, respiração...

– Ele está morto, sapiens... Nem todos voltam.

Não. Não. NÃO!

Senti tentarem me puxar para longe, mas eu não podia ir.

– Ele não está morto ainda... – Os sussurros incoerentes escapavam de mim, enquanto meus olhos imploravam aos dele que se abrissem. – Não pode estar...

Kadi não podia ter sido resgatado de tão perto da morte apenas para escorregar de volta para ela; o universo não podia ser cruel ao ponto de deixar aquilo acontecer... Ou podia? Não havia piedade que nos olhasse de longe e nos poupasse dos nossos erros; não havia alguma força incompreensível que, entre todas as espécies de Ítopis, nos escolhesse para escapar das consequências das nossas falhas.

Não havia perdão senão viesse de nós.

Rugi, o mundo tremendo ao meu redor, e eu já não sabia se ele estava mesmo ruindo ou se era apenas eu. Pisquei para as lágrimas que se misturavam ao suor nos meus olhos, e me encolhi abaixo da dor dos meus músculos, se confundindo com aquela no meu peito.

Kadi tinha partido.

Mas eu ainda tinha tantas perguntas... Sobre quem ele era, o que queria, o que sonhava, o que perdera... Todas as respostas agora enterradas no seu silêncio; e tudo que um dia eu quis tanto contá-lo agora impossível de ser ouvido.

Senti sua ausência me escavando como uma cicatriz, tão profunda que eu me sentia atravessada ao peito por uma rachadura que deixava a escuridão transbordar de mim e a derramei sobre ele em lágrimas e dor.

Eu não aguentava mais dizer adeus...

Me perguntei se a cor dos seus olhos desbotaria das minhas memórias, por mais que eu tentasse mantê-las intactas; assim como eu já teria esquecido a cor dos olhos da minha mãe se não fosse a mesma que me encarava no espelho.

– Não há mais o que fazer... – Algum dos seres ao meu redor sussurrou, tão distante, depois que eu tinha mergulhado naquela abertura, sem nenhuma força para voltar à superfície.

Não... Havia mais uma coisa que eu podia fazer...

Algo que eu nem sabia se iria mesmo funcionar...

Endossimbiose | Versão Em PortuguêsWhere stories live. Discover now