Capítulo 47. Enterro

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Estendi os dedos dentro da criatura com forças que eu não sabia que tinha, minha palma queimando em supernova, meu membro ameaçando cair, e envolvi o olho do fageine entre os dedos. E, ardendo como se nas profundezas de um sol azul, apertei os nós dos dedos ao redor da esfera e arranquei o olho para fora da criatura.

O mega-fageine imediatamente se desfez em uma lama opaca sobre o chão, liberando Kadi sobre a pedra manchada de vermelho.

Corri para Kadi e desabei ao seu lado, sem forças para continuar um segundo a mais de pé. Encarei-o por trás das lágrimas nos meus olhos, coberto da cabeça aos pés por linhas pálidas escavadas abaixo da pele pelas enzimas dos fageines, enquanto seu sangue drenava pelo abdome perfurado. Pisquei e percebi que meu braço direito também estava coberto até o cotovelo por aquelas linhas claras, se juntando em um desenho orgânico tão claro quanto uma luva de renda branca eternamente marcada em mim. A lembrança daquela dor tinha sido marcada em mim, para que, toda vez que eu o encarasse, visse o quão perto da morte eu tinha chegado; e o quão fácil eu podia chegar de novo.

Minha mortalidade tinha sido provada. E imortalizada.

Eu tentei me levantar e puxar Kadi para cima comigo, mas não consegui, depois que as minhas forças tinham sido sugadas pelos dedos. Tropecei de volta para o chão, quando meu corpo foi alçado e envolvido por um abraço que eu apenas me entreguei. Me deitei sobre as costas de uma fera e senti sua velocidade me levando para muito longe dali.

– Kadi... – Grunhi.

– Ele está com Korrok e Deinos. – Lupan respondeu, me carregando por Venerna. – Onde está Judin? Você não tinha que resgatá-lo?

– Eles o mataram... – Sussurrei, cada palavra uma pontada de dor na minha consciência. – Eu não consegui salvá-lo... – O canouro virou sua cabeça levemente na minha direção e farejou meus pensamentos.

– Eu consigo sentir o cheiro da sua mentira daqui, Donecea... – O canouro sibilou. – Ele está morto por sua causa, não está?

Meus punhos se cerraram, juntando as forças que eu estava lentamente recobrando.

– Era ele ou Kadi.

– Eu nunca disse que estivesse errada. – Lupan brincou, me desarmando até que uma seriedade se assentou no seu tom: – Só... Não se torne uma de nós.

Mas talvez já fosse tarde demais para esse aviso.

– Não conte para Korrok... Por favor. – Pedi baixinho e Lupan lentamente confirmou.

– Eu não vi nada.

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Os líderes da revolução nos levaram até o estacionamento de Venerna, tomado por um caos de naves, gritos e correria. Quando Lupan parou, eu já tinha recobrado forças suficientes para conseguir me pôr de pé. Kadi, em contrapartida, emergia e mergulhava na inconsciência, seguido por uma trilha de sangue.

Corremos para a Hasta e colocamos Kadi sobre o chão da nave. Peguei minha bolsa de suprimentos iátricos e a vasculhei, procurando por uma gosma prateada que derramei por toda a cratera no abdome de Kadi, se moldando a ele e corrigindo cada falha que o fazia sangrar.

Mas ele já tinha perdido sangue demais...

Kadi soltou um último fôlego e, quando pousei meus dedos no seu pescoço, não senti nenhuma pulsação.

Ele tinha entrado em choque.

Droga. Droga. Droga...

Minhas mãos pousaram no seu peito e o comprimiram com uma força que eu não sabia de onde vinha, apertando e soltando em um ritmo cronometrado na tentativa de imitar os batimentos naturais do seu coração. Contei os impulsos, 1 a 30, então respirei por ele, 1 a 30, respiração, 1 a 30, respiração... Meus braços queimavam, meus joelhos contra o chão estalavam e cada músculo meu me pedia para parar, mas eu simplesmente não podia... Ou então Kadi nunca iria voltar.

Endossimbiose | Versão Em PortuguêsWhere stories live. Discover now