XVII - BERILO

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A música ainda ressoava de madrugada, apenas uma música abafada tocando em uma vitrola. O som do violino deixava aquela noite ainda mais melancólica. A luz da vela quase derretida sob um candelabro iluminava o quarto em um tom amarelo e obscuro. Sombras dançantes e horripilantes se misturavam a penumbra.

A noite estava fria, Kari puxava para si o cobertor de lã. Ela não conseguia dormir. Era difícil fechar os olhos e imaginar involuntariamente todo o seu passado, principalmente o ano anterior quando ela viu um homem de cabelo prateado deixar o quarto de sua mãe. Ela não poderia esquecer daqueles olhos de serpentes, daquele sorriso sórdido e de quando ele desapareceu subitamente ao descer nas escadas. Ela o reconheceria facilmente em qualquer lugar.

— Não consegue dormir?

Náidius a despertou de seus devaneios. Ele estava ao lado dela com os olhos vidrados para o teto, um tanto pensativo.

— Deveria descansar — ele continuou. — Ignore esse lugar e apenas durma.

Ela olhou para ele, percebendo o semblante desconfortável dele.

— Diego lhe contou, não foi? — ela adivinhou.

O silêncio de Náidius era a sua resposta.

— Me desculpe por essa... esse meu comportamento aqui — ela falou. — Pareço tão fraca e inútil.

— Você não é inútil e nem fraca. Todos nós temos um passado, temos algo que nos afeta emocionalmente. Não deixe que isso se torne uma fraqueza. Você é muito melhor que isso tudo.

— Não é fácil.

— Eu sei que não.

Náidius refletiu um pouco. Ele parecia estar tão sentido com aquela história que a própria Kari. Talvez fosse difícil ver uma garota de catorze anos com um passado sombrio. Ele olhava para si mesmo, que história ele realmente tinha? Um único fato apenas de sua mãe lhe odiar por ser filho de um feiticeiro. Ele não conseguia se comparar. Não conseguia mais sentir a sua dor estando ao lado daquela menina. Kari parecia ser mais velha, de fato, tanto fisicamente quanto mentalmente, entretanto, ela foi obrigada a crescer.

Um grilo cricrilava em algum canto do quarto e o vento fazia as folhas de uma árvore baterem na aba de madeira da janela. A música já tinha parado e o barulho dos quartos vizinhos também já haviam se silenciado. Kari dormiu, mas Náidius ainda pairava pensativo.

...

Era mais um quarto naquele bordel. Haiko olhava para o teto, concentrando o seu disfarce de Ako. Os cachos castanhos caíam sob sua face, enquanto seus olhos amarelos eram lançados para o vazio dos seus pensamentos. A cor de sua pele nua se misturava com a noite mal iluminada em tom amarelado pela luz da chama da vela. O único acessório em seu corpo era o pentagrama preso em um cordão e nada mais.

Sônia dormia ao seu lado, ela estava coberta com um lençol. Estava dormindo. Ela parecia sorrir mesmo adormecida, talvez estivesse feliz. Haiko a fitou, estudando aquela face. Ele suspirou pesadamente e decidiu fazer algo que há muito tempo não fazia desde os últimos dezesseis anos.

Ele se endireitou-se, ficando por cima da maga. Continuava a fitá-la, a admirava e quanto mais fazia isso, mais o seu coração pesava. Isso era detestável! Ele nunca teve pena de nenhuma criatura após o seu exílio. Ele desfez completamente o seu amor pela humanidade, por todas as criações de sua mãe. Ele consumiu incontáveis almas, tantas que a sua própria alma já havia se perdido no vazio. Com Sônia não poderia ser diferente. Ele precisava do poder dela, precisava daquela alma.

Legend - O Mago Infernal (Livro 3)Where stories live. Discover now