Merle Dixon

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Andava pela floresta arrastando minha perna ferida, maldito machucado, assim vou perder todos os animais do caminho. Talvez tenha alguma coisa nas armadilhas mal feitas, teria certeza, se estivesse com minhas duas mãos. Mas com essa agora, era mais um atraso na minha vida. Pelo menos não precisava ouvir os chiliques do governador, aquele cara é mais doido que eu, e isso é dizer alguma coisa.

Chego na primeira armadilha, nada. Segunda... nada. Terceira... um coelho branco. O único animal que nunca comeria. Que azar.

Me deixei desabar na terra, de joelhos em frente ao animal amarrado, soltando o ar em frustração. Não podia comê-lo, as memórias eram doloridas demais, acabaria tendo uma indigestão. Sentia tanto a falta dela. Uma das únicas coisas boas que já fiz na vida.

Sabe coelho, pode parecer estranho, mas esse bruto aqui, que planejava te comer se não fosse um coelho, nem sempre foi assim. Antes, de infectados, meu braço e até mesmo anos antes de minha primeira prisão, eu tinha uma filha. Seu nome era Alice. Nasceu com um problema congênito. Mas sempre sorria, nunca perdia a animação. Dei um coelho branco em seu aniversário de 4 anos. A mãe não gostou nada. Mas quem se importa, ela era uma vaca, ficamos juntos por só uma noite quando tinha 17 anos, às vezes fico pensando o que teria acontecido se tivesse sido esperto e usado proteção. Mas Alice era tudo pra mim naquela época, tão diferente das crianças que conhecera, tinha um olho de cada cor, parte da sua condição, e cabelos loiros e ralos. Minha princesa. Nos primeiros anos de vida se mostrara uma criança saldável, mas aos 5 acabou sendo internada.

As contas que chegavam do hospital consumiam todas as minhas economias, não tinha dinheiro para nada e arrumar um emprego sem estudo algum, um que pague bem e não seja ilegal, seria complicado.

Em uma manhã extremamente fria, fui comprar algumas roupas quentes para meu anjo, tive que vender minha jaqueta para conseguir algo bom no bazar. Ao sair esbarrei em um velho sujo de graxa, abaixado no capô da picape velha. Aquele ali era um cara que personificava o cansaço. Indo contra todos os meus instintos reclusos decidi ajudar o homem, pondo em prática meus conhecimentos de mecânico, o que na época nem pensava como sendo uma habilidade. Mas era.

Após minutos arrumando a "lata velha" dele, fui tomar minha primeira refeição do dia e muito provavelmente a única. Entramos na lanchonete rindo e limpando as mãos, ele insistiu em pagar minha comida, ótimo porque estava falido.

O nome era Andrew Harmon e possuía uma oficina fora da cidade, onde morava e trabalhava, com sua filha de 15 anos. Me simpatizei com a situação, a garota costumava ser uma grande atleta mirim, mas agora estava presa a uma cadeira de rodas, mesmo que temporariamente partia meu coração de jovem. Não pude deixar de imaginar minha Alice na cama de hospital.

Depois disso, virou história. Fui trabalhar como seu assistente, conseguindo voltar minha vida para os eixos. Conheci sua filha, Caroline, não podia evitar de agir um pouco como um irmão chato, não sei porque, acho que gostava da sua força, o fogo que tinha nos olhos. A incentivei a tentar andar e treinar todos os dias. Foi incrível vê-la melhorando tanto. Ainda tinha que ficar atenta em seus medicamentos, mas estava mais saudável a cada dia que se passava.

Pouco tempo depois minha irmãzinha voltou para a escola, fora da cadeira de rodas e pronta para seguir em frente, lembro claramente de me irritar com sua falta de estudo, não queria que acabasse como eu, por melhor que estivesse naquele momento. Sempre pensava em Alice. Como seria nessa idade. Teria uma crise adolescente? Continuaria sendo minha menininha alegre? Será que me aborreceria com namorados e amigos sem-noção como Carol fazia? Nessas horas não podia evitar de dar um sorriso para mim mesmo. Como gostaria que elas se conhecessem.

Cada dia me envolvia mais com a família, já que nunca tive nada assim antes havia se tornado um hábito os jantares de domingo e as tardes de folga vendo televisão. Quando chegava o final de semana visitava minha filha e contava sobre tudo o que havia acontecido, não contei sobre ela para eles. Fiquei com medo dos julgamentos, por ter uma criança ainda tão jovem, mas acho que Andrew já deveria saber. Talvez pelo meu modo de agir.

Pastime ParadiseWhere stories live. Discover now