Primeira Parte

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Que belos são os sonhos da infância, tingidos pela tonalidade da inocência e contornados na imensidão imaginária que somente uma criança é capaz de percorrer.

Lembro-me da vez que expressei em casa o interesse por um animalzinho.

Estava com cerca de dez anos quando meu objetivo se resumiu em pensar, dia e noite, numa maneira de convencer minha mãe a deixar-me ter um animal de estimação. No fundo, eu desejava mais que tudo sentir-me responsável pela pequena criatura peluda que me cativara: um hamster.

Era impensável ter algum cachorro ou gato naquela época; sabia perfeitamente disso. O espaço não colaborava para grandes animais, nem tampouco minha inquietação em pretender dar o melhor para o futuro integrante da família. Um animal certamente aumentaria os gastos e nós não tínhamos muito dinheiro para gastar.

Só conseguia imaginar a solução que preenchia todo meu coração infantil de esperança. Pensava comigo: "um hamster será perfeito; é lindo, pequeno e não gasta quase nada".

O momento exato, infelizmente, se apagou de minha memória; mas certamente em uma manhã lá para setembro em que minha mãe cuidava dos afazeres domésticos, lancei o pedido de caráter indireto e dramático:

— Queria tanto ter um hamster — suspirei melancólico.

Mexendo nas panelas do fogão, ela estranhou meu alento.

— E quem vai cuidar do animal? É obvio que vai sobrar pra mim! — retrucou.

É claro que no primeiro instante ela ficou na defensiva, preocupada com os cuidados que um ser vivo iria demandar em sua rotina. Ainda mais um hamster! Não era um ratinho?

Muitas questões a respeito surgiam. Contudo, depois de alguns dias sob minha insistência, eu sabia que ela acabaria cedendo ao pedido. Tanto que pouco tempo depois ela soube de uma moça cujo casal de hamsters dera à luz a uma ninhada.

Anotou seu número e ligou para lá, perguntando se um dos filhotes estaria disponível.

— Que sorte a sua! Tenho apenas um que não foi doado; no entanto é fêmea — afirmou. — Além do mais, a gaiola que eles ficavam está sem utilidade aqui. Como é o último filhote, você pode levá-la por R$15,00. Tudo bem?

— Certo. O menino vai aí à tarde pegar, então. Muito obrigada!

Nem esperei o telefone ser colocado no gancho para perguntar:

— O que ela falou? Deu certo?

— Sim, deu. É uma fêmea. Você pode ir lá buscar à tarde! — Então ela entrou em seu quarto e abriu a porta do guarda-roupas; de lá tirou um dinheiro e me entregou.

— Vê se cuida dela direito, hein?! Um animal não é brincadeira, e só estou cedendo porque você pediu muito. Este dinheiro você entrega a moça e pega a gaiola junto! Não vai perder.

Peguei as notas e as coloquei dentro do bolso. Devia ser um sábado, pois não me lembro de ter ido à escola.

Almoçamos juntos. Comi tão rápido que nem senti o gosto da comida. Escovei os dentes e saí de casa como um foguete — corria pelas calçadas do bairro como se, por um instante, fosse alçar voo.

Sabia mais ou menos onde era a casa em que tinha de bater. É engraçado falar assim pois sempre fui tímido para tais ocasiões — de quando devia ir a algum lugar. Mas como dessa vez era do meu interesse, lá estava eu correndo sem pestanejar.

"Acho que é nesta casa", pensei. "Qual é o nome da mulher mesmo?" Olhei no portão e não vi campainha. Bati palmas; nada. Assoviei; nada. Por fim, gritei:

— Ô, moça!!! — Meu rosto ficou tão vermelho de vergonha que mal conseguia olhar para os lados com receio de ter algum conhecido por perto.

Mais uma vez, olhei pelo portão. Nenhum sinal de vida. "Meu Deus, não me faça gritar de novo, por favor!" Então ouvi o barulho de uma fechadura se abrindo, até o momento em que um semblante acolhedor apareceu na janela de madeira.

Pistel: Uma HistóriaМесто, где живут истории. Откройте их для себя