Pistel: Uma História

Terceira Parte

A manhã estava propícia para inspirações devido à longa noite anterior, com nuances abstratas para a escolha do nome. Nada que mexesse com o sentimento, de fato, mas entre as idas e vindas dos pensamentos noturnos, algumas ideias se destacaram.

— Acho que vou chamá-lo de Teco. O que você acha?

— É um nome legal, mas ele não tem cara de Teco — respondeu minha mãe.

— Talvez Tico, então — propus.

— Piorou! — Sua voz ecoou pelo ambiente enquanto o hamster comia tranquilo dentro da gaiola. — Tenha calma que colocaremos um nome especial nele.

Eu apenas concordei. Estávamos em setembro, beirando a chegada da primavera, e meu irmão tinha acabado de ser pai. 

Pensava que talvez aquela bolinha cinzenta pudesse ter nascido próximo à data de minha sobrinha, no final de agosto — tempo de ventanias. Período em que minha mãe também celebra seu aniversário.

"Quanta gente nasce nessa época!", era uma afirmação que vagava entre reminiscências.

Mesmo com a mente em outros assuntos, muito mais importantes,  meu irmão, na mesma semana,  visitou-nos trazendo consigo um presente.

Era uma casinha que abrigava codornas, feita de madeira com uma entrada arredondada do lado direito. Dava para abri-la por cima e ver tudo por dentro. O tamanho retangular era perfeito para o hamster sem nome, e cabia adequadamente dentro de sua gaiola, sobrando um bom espaço de serragem para ser o quintal.

Como se não bastasse tamanha alegria, minha irmã desenhou uma fachada de residência na tábua da frente com canetinhas coloridas, transformando uma rústica caixinha de madeira em uma ilustre moradia, pondo até o número para os correios e um pequeno jardinzinho.

Talvez tenha sido a casinha o objeto mais marcante daquela época nas minhas vagas lembranças. Tenho a exata imagem de como era, guardada em minha mente. Nada se comparada com as ilustres moradias compradas em lojas, todavia seu diferencial estava no quesito sentimental. Um improviso que deu certo aos olhos do coração.

Quando a coloquei dentro da gaiola, o hamster amou. Havia posto pequenos rolos de papel higiênico dentro do espaço aquecido e confortável para ele, servindo-lhe de caminha.

Supostamente vi em algum lugar que era assim que se fazia. Além disso, toda semana tinha a incumbência de ir até a carpintaria apanhar um saco de serragem, que sobrava do corte da madeira.

O que era descartável para os carpinteiros, para mim era de extrema valia. Com aquela serragem, cobria o chão da gaiola, deixando-o sempre seco e aconchegante. Trocava-lhe a água do bebedouro que ficava enroscado entre as grades e punha comida na tigelinha de ração.

Nessas pequenas tarefas, meu coração se regozijava ao vê-lo feliz. Era plantado em meu íntimo algo tão importante que somente anos depois fui capaz de perceber.

Não obstante, o problema do nome ainda estava me deixando nervoso. Já havia pelo menos duas semanas que ele estava conosco e nenhum havia sido escolhido para batizar aquele serzinho vulnerável. 

Recordo-me de uma manhã, onde estava na cozinha observando-o enquanto minha mãe preparava o almoço; não sei por que cargas d'água ela pegou um talo da couve que cortava, aproximou-se da gaiola, cravou o vegetal entre as grades e falou: "Pistel, Pistel!". 

O papel da casinha começou a se mexer e logo ele pôs a cabeça para fora. Avistou o talo e foi ao seu encontro.

— Que foi que você disse? — indaguei.

— Achei ele com cara de Pistel — respondeu-me voltando aos seus afazeres. 

Enfim, nome estava posto.

Até hoje não sabemos suas origens. Sabemos apenas que depois de um tempo, ele já entendia quando tais palavras eram emitidas. "Pistel, Pistel!"

Ao chamarmos, aparecia para fora deixando seu corpinho no limiar da porta.

Como era amoroso, embora um pouco arisco! No fim das contas, Pistel foi tomando espaço no coração de todos, e todos queriam agradá-lo com pequenos gestos que aquecia o espírito.

De fato, a pequena bolinha cinzenta ganhava espaço nos sentimentos de uma família obtusa e tão marcada pelas dificuldades da vivência.