Capítulo 2 - Mais uma para as estatísticas

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Na manhã seguinte, já estava pronta antecipadamente para o serviço e esperava Ana me passar a manteiga. 

-Por que esta folheando os classificados? - perguntou Ana, enquanto tirava algumas mexas de cabelo da frente de seu rosto. 

-Estou procurando um novo emprego - eu disse. 

Ela me olhou confusa. 

-O que aconteceu? - perguntou Ana. 

Eu não havia contato a ninguém, nem mesmo a Carlos. Mas o consultório para o qual eu trabalhava iria fechar. As minhas buscas por um novo emprego já estavam acontecendo a algumas semanas, logo que recebemos a noticia. 

Porém não deu tempo de eu explicar a Ana, pois Antônio chegou na cozinha e tomou o jornal da minha mão. 

-Hey, eu estava lendo - eu gritei para o rapaz. 

Ele me olhou confuso.

-Os classificados? - falou em tom zombeteiro. 

Puxei o jornal novamente para as minhas mãos e ele deu de ombros, como se não se importasse.

-É, os classificados - falei rispidamente. 

-Se quiser, deixo seu currículo lá no escritório, vai que né - Ana falou, finalmente me passando a manteiga. 

Finalmente, consegui passar manteiga no meu pão. Gratificante para uma manhã de problemas. 

-Nossa, perder o marido e o emprego na mesma semana, que azar em - disse Antônio em seu tom natural de chatice. 

-Nem todos nascem com sorte - eu disse apenas. 

Seus olhos estavam atentos em mim, mas não cedi a sua pressão e o encarei de volta com muita fúria no olhar.

-Estão contratando na minha empresa - ele disse, finalmente cedendo para poder tomar sua xicara de café. - Se quiser posso levar para você. 

Eu fiquei pensativa. Dever um favor para Antônio não me parecia algo muito agradável, mas ao mesmo tempo eu precisava de algum emprego, principalmente se minha intenção fosse arrumar meu próprio lugar para morar. 

-Vamos, Emma, não seja durona - disse Ana, provavelmente percebendo minha relutância.

-Não vai me dizer que quer ser mais uma nas estatísticas dos desempregados? - disse o rapaz em tom brincalhão. 

Bufei, derrotada. Era impossível ter alguma conversa séria com aquele homem.

-Okay. Mando uma cópia por e-mail para vocês depois - eu disse depois, mas não esperei dois minutos para encaminhar o arquivo. 

-Preparada? - perguntou Ana assim que finalizamos o café da manhã. 

Preparada não seria uma palavra que eu usaria naquele momento. Não naquela situação. 

-Se quiser eu te levo ao serviço - disse Ana. 

-Não sei, amiga. Ainda tenho que buscar meu carro - eu disse. 

É, em meio a toda aquela confusão, eu havia deixado o carro estacionado na garagem da minha antiga casa. Só notei a burrada quando entrei dentro do prédio de Ana, mas já era tarde para voltar para aquela casa.

-Vai com a Ana - falou Antônio. - Eu busco o carro para você.

Ele disse isso enquanto pegava a minha chave e saia pela porta. Não deu tempo de eu dizer que não precisava ou que eu daria um jeito. Ele saiu tão rapidamente que mal tive tempo para resposta. 

-Que garoto apressado - eu disse, me levantando para ir atrás dele. 

Ana foi mais rápida e me fez sentar com um puxão.

-Melhor que ele vá, do que você - ela disse. - Sei que não quer entrar de novo naquela residência e, como amiga, não quero você perto daquele homem por nem mais um segundo. 

Seu olhar era firme e ela deixou bem claro que não aceitaria um não como resposta. 

-Agora me conte o motivo dessa cara emburrada - ela falou. 

Ana tinha uma percepção imensa com relação a mim e era um dos motivos de nos darmos tão bem. Meu jeito explosivo e sarcástico não funcionavam com ela. Mesmo que minhas respostas rápidas sempre a deixavam sem reação, ela não se deixava abater e devolvia (quase sempre) no mesmo tom.

-Essa semana vai ser longa, e hoje ainda é quarta feira - eu disse bufando. 

Seu olhar curioso carregava um 'conte tudo logo', o que não me deu trégua e acabei por lhe contar. 

-Lembra que eu lhe disse que peguei algumas mensagens de uma mulher no celular do Carlos? - falei. 

Ela assentiu, apenas. 

-Era da Larissa - eu joguei a informação. 

Ela não me pareceu chocada, na verdade sua cara entregava o desapontamento com a informação, como se esperasse algo mais bombástico. 

-Você já sabia? - perguntei. 

Ela riu sem humor. 

-Na ultima confraternização quando fomos a sua casa para aquele churrasco, ficou bem claro que ela ficou comendo o Carlos com os olhos - ela disse. 

Aff, essa eu não havia percebido. 

-Agora imagina ser expulsa de casa e no dia seguinte ter que dar bom dia para amante do seu marido? - eu falei desanimada. 

Ah, para seu esclarecimento, meu caro leitor: Larissa é atualmente minha colega de serviço. Eu considerava ela uma grande amiga até descobrir seu relacionamento com meu 'marido', mas aparentemente isso não afetou seu sorriso falso e sua cara cínica. Muito pelo contrário, ela tentou se aproximar ainda mais de mim. 

Eu, a idiota mulher traída. 

-Você quer um conselho? - ela perguntou enquanto mastigava o pão em sua boca.

-Na verdade, não - eu disse. 

Os conselhos de Ana sempre eram péssimos. A única vez que ela acertou foi quando disse que eu estava me precipitando com essa história com o Carlos.

-Arranje um homem - ela disse mesmo assim. - Devolva na mesma moeda e mostre que você é mais desejada do que ele imagina. 

Minha amiga só tinha esquecido que, diferente dela, eu não carregava uma beleza extravagante e morria de preguiça de me arrumar. Só de pensar em toda aquelas maquiagens me dava calafrios. 

-Ah! Claro! Vou ali encontrar um homem solteiro dando sopa na esquina - ironizei a situação. 

-Se for bonito, me avisa - ela rebateu. 

Revirei os olhos. Não acredito que estávamos tendo aquela conversa.

-Tenho que primeiro me preocupar em encontrar uma nova fonte de renda - eu falei enquanto terminava meu pão. 

-Okay, por hora vamos trabalhar - ela disse, finalmente. - Você precisa mostrar para a Larissa que esta bem. 

-E como eu faço isso? - perguntei, obviamente com muito medo que ela iria me responder. 

-Essa parte você deixa comigo, minha amiga - ela fez aquele olhar. 

Aquele olhar não representava bons presságios. Geralmente ele aparecia quando a Ana formulava alguma ideia que me colocaria em uma grande confusão. Ela fez aquele mesmo olhar quando disse "Vamos a festa dos veteranos, vai ser legal". O porre que ela tomou não foi nada legal e eu voltei com uma mulher de um setenta de altura desmaiada no taxi. Deus sabe o quanto que eu sofri para colocar aquele corpo imenso dentro do elevador e o quanto foi difícil arrasta-la pelo corredor do quinto andar até o nosso apartamento.

-Não precisa fazer essa cara - ela disse pegando a bolsa e indo para a porta. - Pode confiar em mim. 

-É justamente isso que me causa medo - eu disse, seguindo a mulher. 

O Irritante do Quinto AndarOnde histórias criam vida. Descubra agora