• water and drugs •

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× Jimin ×

Nunca foi difícil estar vivo.

Eu sempre tive uma casa que era minha proteção, sempre tive comida que me dava saúde, e sempre tive escola que me dava chances de um futuro melhor.

Nunca precisei lutar para estar vivo. Ou melhor, nunca precisei tentar sobreviver.

Mas como minha mãe costumava dizer, para tudo tem a primeira vez na vida.

- Jimin, huh? Eu não conheço nenhum com esse nome.

Enrolo o papel em minha mão e coloco no bolso da calça. Foi inevitável bufar quando me sentia totalmente frustrado, mas disfarcei com um sorriso curto ao ver a cara do balconista, tão impaciente quanto eu.

- Olha, não importa quem sou, importa quem me mandou aqui. - Apoio os cotovelos no balcão de madeira para tentar chamar a atenção do homem, mas ele apenas continua a secar seu copo sem desviar o olhar. - E eu estou te dizendo que preciso falar com Hope.

- Garoto, o que você quer com esse cara? Ele não se mete com qualquer um, e você com certeza não parece ser alguém com quem ele se meteria.

- Eu não quero me meter com ninguém! - Esbravejo enquanto jogo meu cabelo para trás, exausto daquilo.

Era meio da tarde quando cheguei ao bar a procurando por Hope, e agora já passa das dez. Já bebi tanta água com gás que se alguém me furar com a faca agora eu vou apenas explodir como um balão, sem sangrar nem um pingo.

Depois de passar a noite em claro olhando para o bilhete de JK, eu entendi que ninguém mais poderia ajudá-lo se não eu. Então mesmo sem saber de onde vem essa vontade absurda de fazer algo por ele, cá estou eu, no bar em que pisei a primeira vez fazia apenas algumas duas semanas que mais pareciam meses.

- Eu queria ter ficado na Coreia... - Sussurro só pra mim, com a testa apoiada na bancada de madeira.

Ao levantar o rosto, vejo o quadro de dardos no qual eu e JK jogamos. A madeira da borda estava quebrada em um dos cantos, provavelmente danificado pela briga que sucedeu.

E de repente um nó sobe para minha garganta quando lembro de Mini Kim ali, sentado no canto e nos vendo jogar. Ele era apenas uma criança e mesmo assim se dedicou ao máximo para me manter seguro e me tirar do meio da enrascada.

Queria que seu sorriso fosse a primeira coisa que me viesse a mente ao pensar nele, e não...

- Jungkook me mandou aqui. - Me viro novamente para o homem atrás do balcão de bebidas para tentar, pela décima vez, uma abordagem diferente. Ao ouvir que o chamei pelo nome, seus olhos me dão atenção.

- Como você o conhece? - Perguntou ao me observar por cima dos óculos escuros, mesmo estando em um ambiente praticamente sem luz.

- Eu disse, já estive aqui antes.

O homem de cabelos vermelhos bufa e larga o copo de uma vez por todas para apoiar as mãos na bancada e me encarar mais de perto. Eu prendi o ar, meu coração estava na garganta, suei as mãos o suficiente para aguar minhas plantinhas de casa, mas mantive minha expressão calma enquanto era analisado.

- Garoto, espere aqui.

E a atenção que me levou um dia inteiro para ter simplesmente me deu as costas e atravessou a porta para a cozinha. A vontade foi de gritar e o mandar voltar, mas, bom, ele tinha o dobro do meu tamanho só na largura dos ombros.

Olho para o copo com um pouco de água com gás que tinha em mãos e quis que o bartender estivesse aqui não para me dar informações, mas sim descer uma dose de algo forte que eu ia me arrepender no segundo que colocasse na boca.

Deito minha cabeça no balcão e respiro fundo. Dá vontade de chorar, e o motivo? Desconhecido, mas eu conheço muito bem esse sentimento tão antigo em mim de inutilidade porque sempre fui assim, não importa o quanto eu tente ou o quanto eu queira, eu não sou forte o suficiente para ajudar ninguém. E por isso que com o tempo as pessoas pararam de precisar de mim, então eu me tornei um... coadjuvante. Isso, é isso que sou.

Park Jimin, o coadjuvante com papéis de uma cena só.

- Ele não vem aqui hoje. - Levanto de uma vez pela surpresa em escutar a voz do balconista de novo.

Um prato com um hamburguer enorme e fritas está ao meu lado, e só quando vejo e sinto o cheiro percebo o buraco negro em meu estômago.

Ah, certo, alimentação. Qual foi a última vez que eu comi algo sólido mesmo?

- Essa noite ele... Bom, vamos dizer que ele está trabalhando. - O homem continua, mas meus olhos ficam fixos na comida. - Então você pode passar aqui amanhã.

- Hm... - Respondo sem a certeza de que vou me lembrar dessa informação quando estou tão focado em não deixar minha barriga roncar.

- Come. - O homem ruivo empurra o prato na minha direção até bater em meu braço e parar. - E depois vai pra casa.

Eu devorei as batatinhas em algumas poucas mordidas e depois já não tinha apetite para o hambúrguer. Eu como rápido e como pouco. Se Namjoon estivesse aqui, estaria me dando detalhes sobre suas indigestões e refluxos ou coisas assim.

- Meu deus, Namjoon. - Falo com algumas batatas ainda sendo mastigadas e pego meu celular no bolso com os dedos gordurentos.

26 ligações perdidas, 14 mensagens, 2% de bateria.

Socorro, eu tô ferrado.

- Ei, bartender, você tem... - Olho em volta pro homem que estava ali a um segundo secando copos com seus óculos de sol totalmente inapropriados, mas não o acho em canto nenhum do bar. - Ele saiu sem falar nada? Mas eu nem paguei.

Foi o tempo de ver as horas em minha tela antes dela se apagar de uma vez por todas. Eu o coloco no bolso da jaqueta e me levanto para ir embora, afinal de contas não tinha nada para mim ali.

Já eram quase meia-noite e a essa altura Namjoon já terá avisado Yoongi e o bar pode ser um dos primeiros lugares que virão, e eu não quero causar mais nenhuma confusão.

Saio pela pequena porta escondida no meio de prédios velhos e começo a andar pela calçada, subindo o capuz de minha jaqueta quando o vento feio começa a bater em minhas orelhas.

Sinceramente, por que eu perdi tanto tempo aqui? JK será transferido pela manhã e estará praticamente incomunicável até ser julgado, e é tão injusto que tenha que esperar por isso preso.

Quer dizer, eu sei que ele poderia ter feito aquilo, eu sei que ele poderia ter mesmo matado alguém com a raiva que sentia pelo o que aconteceu com Mini Kim, mas...

Paro de andar enquanto espero para atravessar a rua e sinto minhas bochechas esquentarem. Meus lábios se contraem involuntariamente e eu aperto o papel em um dos bolsos.

- Ah, isso é tão frustrante... - Suspiro, tentando afastar a sensação frustrante trazida pela minha impotência.

Ele me beijou. Jungkook me beijou para pedir minha ajuda quando eu estava grampeado até as calças para pegá-lo admitindo que fez algo errado. Ele confiou em mim e eu...

- Não quero desaponta-lo. - Cochicho.

O sinal fica verde para os pedestres, mas eu não sigo em frente. Não tinha muitas pessoas na rua, então poucas desviaram de mim e seguiram seu caminho. Tive até o impulso de me mover, mas eu não conseguia, não naquela direção. Então em vez de voltar para o hotel, em vez de fazer o que esperavam que eu fizesse, me viro para direita e ando rápido até começar a correr.

Não queria ser um inútil, não para ele. Pode ser que eu nunca vá descubra o que é realmente lutar para estar vivo ou sobreviver, pode não fazer parte da minha realidade. Mas se fosse embora agora, não conseguiria viver comigo mesmo sabendo que abandonei um garoto de 19 anos, um sobrevivente, para trás.

Então eu não vou te desapontar, Jungkook, eu vou ser útil para você.

[×]

higanbana | jikook |Where stories live. Discover now