Capítulo 19

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“Os olhos da fera cruzaram com os da bela. E então, foi possível ver... Toda aquela maldade e melancolia se transformando em um arrependimento puro. E amor genuíno” 

Meus olhos estavam completamente fixos em apenas um lugar. Minha caneta cor vermelha que estava jogada desleixadamente em cima dos meus livros. Eu não piscava, e muito menos desviava. Eu queria muito poder dizer que não estava pensando em nada. Mas isso não é verdade. 

 Uma vez eu li em algum site aleatório que esses momentos intrigantes onde apenas olhamos pra um local sem pretensão alguma se da pelo fato que inconscientemente nós buscamos relaxar, como se nosso cérebro se desligasse por um momento pra tentar se organizar. São momentos tão curtos, mas que parecem ter sido muito longos. Entretanto, por algum motivo, eram raras às vezes que isso realmente acontecia comigo. Pois, quase o tempo todo a única coisa que passava por minha cabeça era Matt Mylles. E as motivações dele pra agir de forma tão inusitada nesses últimos dias.

Desde a hora que ele saiu batendo a porta e sumiu da mesma forma que apareceu, abruptamente. Eu não o vi, ele não foi pra casa na noite seguinte e nem mesmo apareceu no campus essa manhã. Aquilo estava me matando lentamente, me torturando sadicamente cada vez que pensava nas possibilidades. Era tudo fingimento? Era tudo pra me levar pra cama, e então, quando finalmente aconteceu ele se cansou de fingir e voltou pra sua vida de antes? Eu disse ou fiz algo que o magoou tão profundamente? Eu me martirizava quase que o tempo inteiro. Meus devaneios me atormentavam e me angustiavam a cada segundo do meu dia.

Pisco algumas vezes vendo o movimento estranho de vários alunos entrando na sala de aula. E me movo lentamente, consertando minha postura e analisando atentamente ao meu redor. 

Logo ele passa pela porta, seu semblante sério e cara de poucos amigos. Cabelos perfeitamente alinhados, tanto quanto a última vez que eu o vi. Os olhos azuis do homem se arregalam tão quanto meus olhos negros se arregalaram ao ver ele. E então, me lança um sorriso curioso. Inclinando sutilmente sua cabeça para o lado e andando em passos lentos até a frente da classe. 

— Bom dia, turma. Meu nome é Victor Davis, E sou seu novo professor de filosofia! —  Ele diz, passeando seu olhar por toda a turma. E parando em mim, enquanto analisava com atenção cada micro expressão que eu fazia.

Eu piscava algumas vezes, voltando pra realidade. E então, me dando conta que por um mísero momento eu esqueci Matt, e toda a dor que pensar nele me fazia sentir. E essa sensação me causou um prazer tão genuíno que tudo que eu pude fazer foi esboçar um sorriso de satisfação. 

— Nada de Platão, Sócrates ou Aristóteles. Eu estou, e creio que vocês também estejam de saco cheio dessa mesmice que mesmo boa, acaba se tornando maçante!—  O homem diz, dando alguns passos pra trás e se apoiando em sua mesa. Dobrando os braços e fitando todos ao redor. — Friedrich Nietzsche, Albert Camus, Arthur Schopenhauer... Esses são frutos de uma nova onda filosófica, uma nova geração completamente insana que modificou de uma forma intensa toda uma geração de filósofos. Uma onda que questiona o conservadorismo, as morais, as normas. Os princípios. Coisas que nenhum filósofo até então foi capaz de questionar. Quebraram barreiras até então vistas como inquebráveis. São esses que vamos estudar detalhadamente pelos dias que estudamos juntos. O existencialismo. E eu espero que vocês estejam preparados. Pois, eu vou os fazer questionar a ponto de sentirem suas cabeças explodindo.

O homem continua, falando e gesticulando enquanto  elegantemente pronunciava cada palavra que completavam frases tão magnificas que ao menos, por um segundo, eu me permite desviar a atenção. Meus olhos parados ali, o encarando com curiosidade. Assim como o resto da turma, que pareciam tão fascinados com aquele novo mundo quanto eu. Tão fascinada, que nem mesmo me lembrei daqueles olhos verdes me fitando com furor, me fazendo questionar meus próprios limites quando Matt me xingava descaradamente nos momentos mais íntimos que tivemos. Que nem mesmo me lembrei daqueles lábios rosados e macios, ou do gosto delicioso que eu sentia sempre que ele me beijava. Ou daquelas mãos enormes me segurando firme, com brutalidade. Puxando meu cabelo, apertando meu pescoço, me fazendo sentir tão baixa e maliciosa. Nem mesmo por um segundo...

Matt Mylles, minha deplorável perdição (Concluído)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora