Beija-flor

01

Quando as duas bolinhas azuis recaíram sobre o rosto assustado da menina, um sentimento de proteção invadiu todos os pensamentos de Thales. Quer dizer, ele era apenas um garoto de 8 anos, e aquela garotinha que havia acabado de se mudar para a casa em frente à que ele morava, não parecia ser tão mais nova do que ele. Mas algo nela o intrigou, a ponto de ele querer se aproximar da menina, e dizer que tudo iria ficar bem, seja lá qual fosse o seu medo.

Ele passou longos minutos observando de longe, enquanto o casal retirava os pertences de dentro do carro, levando-os para dentro da casa que tinha acabado de ser vendida para a família, e a garotinha, com os cabelos castanho escuros presos em um rabo de cavalo, sentada no passeio, apertando com bastante força, sua boneca de pano contra o seu pequeno corpo. A boneca mais feia que ele já tinha visto, Thales pensou, mas preferiu focar sua atenção apenas na menina.

Ela parecia tão frágil, os olhos castanhos observando todos os lados da rua, reconhecendo o lugar, seu novo lar, provavelmente.

A mulher que tinha as características muito parecidas com as da menina, se abaixou ao lado da garotinha, e lhe deu um abraço recheado de amor. Ela sorriu de algo que a mulher — provavelmente sua mãe — havia dito, e levantou da calçada parecendo um pouco mais animada. O homem também se juntou a elas. Parecia uma família bem feliz, Thales imaginou, apesar do olhar um pouco triste e cansado da menina.

Dois dias depois, o pai dele, que sempre fazia questão de ser simpático com todos os moradores do bairro, foi receber os novos vizinhos, e dizer que eles poderiam contar com a ajuda dele, sempre que precisassem. Thales queria ser como ele, costumava pensar, seguir, até mesmo, a profissão do pai, e ser um policial muito competente em seu trabalho, além de admirado por tanta gente.

Quando o homem informou que iria à casa da família que havia acabado de se mudar para a casa à frente, Thales se ofereceu prontamente para acompanhá-lo, seria uma ótima oportunidade para tentar se aproximar da menina que ele vira no dia em que eles se mudaram. Quem sabe eles poderiam se tornar amigos. Não que Thales não tivesse amigos, muito pelo contrário, mas era sempre uma boa opção fazer ainda mais amizades com crianças com idade próxima à sua.

As vezes, quase sempre, ele sentia falta de ter alguém que falasse a mesma língua que ele. Sua irmã tinha acabado de completar 15 anos, ela preferia sair com seus amigos e namorar escondida dos pais, do que estar ao lado do irmão. Mas sempre que ele perguntava para sua mãe se ela pretendia ter mais filhos, a resposta era a mesma: “você já me da dor de cabeça suficiente, não quero ter outro filho e correr o risco de nascer com a sua personalidade”. Mas ele não se ofendia com as palavras da mãe, pelo menos não tanto quanto antes. Ela criticava até a filha mais velha, que vivia procurando emprego para sair logo de casa, enquanto seu pai tentava apaziguar as discussões das duas. O garoto preferia focar apenas nas palavras do pai, que fazia questão de dizer todos os dias, o quanto seus filhos traziam felicidade para os dias dele.

O primeiro contato entre Thales com a sua nova vizinha foi até muito bom para duas crianças que não se conheciam. Ele, com seu jeito amigável e sorridente, logo tratou de ganhar a confiança da menina, que ainda parecia assustada com aquela invasão em sua casa.

— Meu nome é Begônia — ela havia dito, após ele se apresentar para ela e perguntar seu nome, logo em seguida.

— Nome de flor — ele comentou, erguendo seus pequeninos lábios, formando um sorriso e conseguido arrancar um sorriso do rosto da menina.

No início ela ficou um pouco sem graça com a presença de estranhos em sua casa, era tímida, ele logo percebeu, mas bastaram alguns minutos para que os dois se dessem bem, e em pouco tempo, eles já estavam brincando juntos, Begônia apresentando toda a sua coleção de bonecas para ele — algumas não eram tão feias quanto a preferida dela, ele pensou —, e Thales enturmando a garota, levando-a para conhecer todos os vizinhos amigos dele.