31 - todas as coisas que eu odeio em você

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— O Bruno tá em casa? — ela pergunta quando a alcanço, e sou obrigada a desviar o olhar. Nego com a cabeça, me sentando no meio-fio.

Ela se senta ao meu lado, esticando as pernas na rua de paralelepípedos, sem dizer uma palavra. Acho que, de alguma forma, ela sabe por que eu a chamei aqui tão às pressas, e essa ideia me assusta um pouco. Mas ela veio, não é? Talvez seja um bom sinal.

— Tá tudo bem, Eva? — Mina pergunta depois de alguns segundos me encarando. Nego mais uma vez. — Aconteceu alguma coisa?

— Você sabe o que aconteceu. O que tá acontecendo — murmuro, mordendo meus lábios —, não sabe?

Depois de longos segundos, ela assente.

Nunca me senti tão sobrecarregada quanto me sinto agora, como se um milhão de coisas ruins estivesse pra acontecer e só eu pudesse consertar tudo. Sinto minha respiração falhar e volto minha atenção para o céu, numa tentativa sem sentido de me acalmar um pouco. Há só algumas estrelas à vista essa noite, e eu sinto a garota do meu lado acompanhar o meu movimento, erguendo seu queixo e soltando um suspiro longo. Eu nem estou olhando para ela, mas, mesmo assim, consigo transformar essa sua ação mínima em algo muito bonito dentro da minha cabeça.

Saturno encarando o céu.

— Acho que foi quando você cortou o cabelo — começo a dizer, minha voz soando muito mais baixo do que eu gostaria. — Ou talvez antes disso, não sei. Mas foi só depois daquele dia que eu comecei a perceber as coisas, a perceber o quanto eu... — gaguejo. Não me forço a concluir a frase, pesada e significativa demais. Levando os meus olhos até as minhas mãos que já começaram a suar, tento seguir em frente, mesmo que seja muito difícil. — Só que eu não podia te dizer o que estava acontecendo, porque era assustador e tão sem sentido. Como eu podia estar sentindo todas aquelas coisas tão de repente? Eu nem te conhecia direito ainda, e não fazia ideia de como você poderia reagir ouvindo algo tão surreal de uma garota tão... Eva Aquário.

Mina solta uma risadinha, mas não sei se isso é algo bom ou ruim. Pigarreio, tentando limpar a garganta, sem a mínima coragem de me virar na sua direção. Sei que, se eu olhar para ela, posso dar adeus às minhas chances de concluir essa conversa.

— Então eu fui tentando ignorar isso, essa coisa que fazia meu coração acelerar e me deixava sem voz. Sério, Mina, eu nem sei quantas vezes você me fez perder todos os meus sentidos só... aparecendo na minha frente. E eu juro que tentei, que me esforcei pra esquecer isso de uma vez por todas, mas sempre que você aparecia, que falava comigo, que... tocava em mim, eu falhava pra caramba.

— Eva...

Por mais que eu queira muito, continuo encarando as minhas mãos. Eu não posso olhar para ela, não posso deixar com que seus olhos me tirem totalmente a concentração. Preciso continuar fazendo isso como se eu estivesse falando sozinha, como ensaiei, mesmo que eu nem lembre mais da metade das coisas que pensei em dizê-la.

— O problema é que eu sabia que o Bruno gostava de você, que ele gosta de você, e por mais que nossa relação não seja das melhores, eu ainda me importo muito com ele. Não queria ser uma idiota com meu irmão e não queria estragar a amizade que eu tinha contigo, então eu só continuei negando tudo. Me neguei a assumir as coisas que eu sentia, porque era muito mais fácil fazer isso do que encarar a verdade, mas aí... — suspiro, tentando manter a calma —... você me beijou e isso mudou tudo.

Mina não responde. Ela continua com os olhos em mim e isso está me matando, porque me imploram para eu virar minha atenção para ela. Não sei se seu silêncio é bom ou ruim, não faço ideia em quais coisas ela está pensando nesse instante e, sinceramente, agora não sei mais se estou pronta para uma resposta definitiva. Ainda que eu torça para essa conversa acabar bem, não sei se é isso o que vai acontecer, e eu tô começando a achar que prefiro viver para sempre na dúvida do que tendo que lidar com consequências difíceis.

Todas as Coisas que Eu Não Odeio em VocêWhere stories live. Discover now